Me parece uma relação de pena, onde eu sou digno de dó e piedade de quem foi embora e continua seguindo um caminho que, mesmo que eu tenha ressalvas, é aquele que tem de ser seguido. Eu tenho escrito cada vez menos nesse blog, não por falta de tempo - mas de inspiração. E medo. Eu comprei um caderno de anotações vermelho que tem um elástico e folhas com pauta. Não é um diário, é um caderno de viagens - das viagens que faço todo dia. Da estação USP Leste à São Bento, da São Bento à Luz. Do térreo ao décimo sétimo do EdifÃcio Martinelli. E dia após dia, hora após hora, sentado atrás de um computador e umas planilhas de Excel, tenho escrito tudo aquilo que me envergonharia de colocar aqui. Nomes, datas, horas, desenhos. Abandonei meu caderno de desenhos, o pequeno, comprei um grande, e nenhum dos dois tem sido utilizado.
Me sinto muito doente todas as vezes que desenho. Sentir-se doente e sobretudo assumir isso pra você mesmo é muito complicado. Minha relação com a Depressão Endógena é algo que se arrasta por anos, terapias e comprimidos - como carregar alguém por todos os caminhos que passo. Hoje eu sei que sou doente e preciso de tratamento, isso me coloca numa responsabilidade maior comigo mesmo, uma relação sutil e firme que tenho de ter com horários, comprimidos e com o desejo pelo álcool. Estar triste é bom para reconhecer quando estou feliz - mas ser triste não me faz ser feliz. Tento, todos os dias, encontrar um bom motivo pelo qual me levanto e sigo minha vida. Quase sempre tem sido meu pequeno irmão, o Caio, que ilumina minha vida há dois meses.
Pouco antes do Caio nascer, eu também renasci, e agora seguimos a vida como gêmeos de idades diferentes, é como se eu fosse o lÃder da nossa matilha de duas pessoas e tivesse que abrir as clareiras dentro das florestas da vida. Muito me maltratei, muito me maltrataram. Hoje ouvi Adele, olhei umas fotos e fiquei triste. Fumei um cigarro, um único cigarro, e tentei tragar toda nostalgia boa que estava dentro de mim. Eu preciso ficar bem por mim. Todos os dias me dizem que não se vive sozinho e blá blá blá. Toda essa conversa nos faz criar laços e elos, dos quais sofri muito pra me livrar durante algum tempo recente. Eu ainda tenho dores, eu ainda tenho amores, eu ainda choro algumas noites e sinto o coração apertado por eu não poder dizer o que está entalado e preso na minha garganta - calando esses gritos, eu calo a mim mesmo, e isso só estende o meu tratamento. Trade-off logÃstico.
Hoje eu tenho um emprego, um irmão, uma casa e, mesmo com tudo isso, não sinto que eu tenha um abrigo, o que me faz voltar e pensar: eu só tenho o Zolpidem e a Venlafaxina todos os dias. E algumas memórias. As pessoas me olham como se eu fosse um doente, e eu sou, mas não quero ser digno de pena. O que vem à cabeça de algumas delas quando eu pergunto ''sobre nós''? O mesmo que vem à minha: chegadas e partidas. Pior do que doenças fÃsicas, são as doenças que ninguém vê.