Admiro quem tem coragem de peitar o mundo e ir atrás do seu sonho. À exceção de alguns de nossos pais, somente nós mesmos podemos acreditar cegamente que é possível.

23 anos que a criança, em 1994, saiu da cesariana saudável. Quem traça as rotas que venho vivendo a partir daqui? Que Iara tem cantado e me atraído pro seu rio que, de tal forma, não me vejo fazendo outra coisa senão sendo o que sempre sonhei? É uma hipnose constante.

Qual é o ponto crucial pra decidir ir ou não ir mais atrás do sonho e se resolver por aí mesmo, fazendo qualquer coisa, de qualquer jeito, desperdiçando a existência pra sempre?

Tenho tido muitas reflexões e questões diariamente. Tenho buscado me encontrar e mais do que isso encontrar meu caminho real. Parece que ninguém mais pára pra ouvir a criança no meio da sala dizendo algumas sílabas sem saber seu significado. Hoje meu discurso é mais forte, mais entonado, com maior crença, mas me falta uma força incessante, um desejo cego pelo meu lugar à tribuna.

Senador Philippe Gama, o senhor tem três minutos:

Meu nome é Philippe Gama e eu estou aqui pra mudar o Brasil.

É isso o que eu mentalizo todos os dias enquanto durmo. Hoje já é dia 23. São oito dias para o fim do mês. E quanto tempo demorará pra eu ser quem quero ser, estar onde quero estar, fazendo o que precisa ser feito? Quem determina os nossos caminhos?

Dilemas. Tudo o que tenho nestes 23 anos são dilemas.

Ninguém pode controlar os sonhos que tem. 

Filiar, não filiar. Militar, desistir. Falar, não falar. Ir, ficar. Entre tantas dubiedades da vida eu me vejo aqui, parado de samba canção observando a parede manchada enquanto toca um rock brasileiro dos anos 80 ao fundo. O que é que eu faço com a minha vida?

São questões momentâneas, passageiras, mas que permeiam um planejamento estratégico a longo prazo: como eu vou deixar meu legado, minha história, meu nome pro mundo, se nem sei ao menos onde começar? É essa luta incessante pela eternidade, pela história, que fazem do momento presente tão inútil e improdutivo. Fiz tanto e não colhi nada. Pensei tanto e não produzi nada. Tanto e nada. 

Diversos momentos passados me fizeram desejar o agora como nunca antes. Me livrei do emprego desestimulante, me livrei da obrigação de levantar todos os dias pontualmente às 07h, pra seguir a rotina: banho - iogurte - metrô - trabalho - almoço - metrô - casa. Ainda que ruins as rotinas, elas me serviam pra ter o mínimo da sensação de dever cumprido. A partir de agora, todavia, vêm as questões que rasgam todos os paradigmas e verdades e versam sobre o que é irreal e está mensurado somente na minha cabeça. 

Que hora há espaço pra sonhar?

Num mundo com relações humanas tão desumanas, onde nem todo mundo deságua como eu e tem muito a oferecer como eu tenho oferecido, é importante saber viver na corda bamba que fica entre dois verbos: lidar e sofrer.

Ninguém pode controlar os sonhos que tem. Mas o Senado parece cada vez mais longe, cada vez mais difícil, e as pessoas têm feito questão de me lembrar disso diariamente. Cada um pra um lado, cada cachorro lambendo sua ferida, cada um num caminho diferente. E todos se engalfinhando pra ver quem chega primeiro. 

Uma luta por pódios motivada por sonhos. Ninguém pode controlar os sonhos que tem, e esse é o problema: como a gente lida com essas feras querendo sair de suas jaulas?