Quem vem lá de tão longe?

Quem caminha procurando encontrar respostas, soluções e motivos para continuar buscando a si mesmo? Quem se prepara para o grande dia de nosso encontro? Quem pensa, repensa e perde noites de sono desenhando nas paredes da memória os dias futuros, assim como eu?

Quem vem lá de tão longe?

Pergunto-me todos os dias, aflitos, quem virá. Quem será o primeiro, ou o último, ou o único. Quem entrará primeiro no castelo abandonado, quem me ajudará a reconstruir tudo o que ficou em frangalhos depois de mais uma história de amor previsível?

Quem vem lá de tão longe?

Quem vem de tão longe que se demora tanto? Quem vem de tão distante que pára, sempre que possível, para um descanso e me deixa mais aflito na espera? Vem alguém mesmo? Espero, ansioso, que venha. Que desça de seu ônibus, seu trem, seu avião e diga que finalmente chegou para ficar, chegou para trazer boas novas, lembranças sinestésicas e mais sonhos para sonharmos juntos.

Quem vem lá de tão longe?

Já não aguento esperar ou encontrar respostas que tapem o vazio existencial dessa espera. Quem se demora tanto? Entre tantas idas e vindas, tenho me deixado por aí, pedaço por pedaço, pendurado em cada lugar que tenho ido. Tenho deixado pistas de onde me encontrar, tenho deixado caminhos de migalhas para que chegue mais depressa. Tenho buscado, também, para não ficar tanto tempo sentado esperando.

Quem vem lá de tão longe?

Que vai fazer da minha narração uma poesia, da minha crônica triste uma piada, que vai transformar meu guarda-roupa de texturas de preto em um imenso arco íris cheio de cores. Quem virá - e se virá - demorará mais? Já não aguento esperar, desaguando todas as noites, aflito e inquieto. Tantas histórias de ''amores'' previsíveis, cheios de encontros e desencontros, têm sufocado minha esperança. Ainda assim, inquieto, aflito, desacreditado, sem esperança, me pego em vários momentos perguntando:

Quem vem lá de tão longe?

Sequer há eco que me responda.

Escrevo porque preciso falar. Há diversas versões de mim mesmo precisando dizer coisas absurdas e insignificantes. Escrevo porque com medo de falar, transfiro aos textos a culpa que cabe somente a mim. Escrevo porque grito. 

Grito de medo, angústia, tristeza. Grito pra espantar as mágoas, afundar o passado e abrir caminhos. Desfolho árvores, limpo estradas, abro matas fechadas com a força de tudo o que precisa ecoar pela minha voz.

Dia desses, pra não dizer ontem, fechei-me em meu casulo mesmo no meio de tanta gente. Ali, perplexo, me questionei onde foi que iniciou-se essa série de erros em minha vida. Um dia em paz, dois em guerra, tenho lidado comigo mesmo hora após hora e principalmente com o temor e a aflição de um dia não conseguir fazê-lo.

O gerúndio já não cabe no verbo desmoronar no que tange à minha vida. Estou caído. Em pedaços. Partido. Como tantas outras vezes já o estive, como tantas outras vezes ainda estarei. Olho as caixas de entrada todos os dias esperando uma notícia boa, uma mudança, uma felicitação. Silêncio. E por isso grito - o silêncio tem sido o maior vilão que habita em mim.

Com sede de sorvete em dias frios, há uma dicotomia dentro de mim mesmo que me deixa de cabelos em pé - ou sem cabelos, melhor dizendo. Tudo o que foi planejado - o apartamento de poucos metros quadrados, o chamego no domingo à tarde, a viagem com os amigos - se desplanejou por obra cósmica ou humana. 

E só eu entendo. E me dói saber que só eu compreendo minhas dores, minhas aflições meus medos. Não posso culpar os outros, todos temos nossos problemas. Não posso culpar o mundo pelas guerras que acontecem dentro de mim mesmo. Não posso culpar outra pessoa senão eu mesmo pelos castelos de areia que construo em cima de relações, pessoas, expectativas e que, sem razão ou por natureza própria, as ondas de realidade levam pra si. 

A poesia que habitava em mim, como uma roseira de cemitério, secou. Não consigo transpor em versos a beleza dos dias porque se tornaram imensos vazios. Dia após dia sobrevivendo, vencendo a noite e acordando esperando. Tantos gerúndios que nunca se tornam ação, apenas uma imensa travessia. Nessa sala de espera só habitam duas pessoas - eu e o silêncio que tem me torturado.

Estou cansado como nunca estive. Ferido como nunca estive. Triste como nunca estive.(Talvez já o tenha anunciado em outros textos, mas sinto agora a diferença da força dessas palavras). Por coisas que só eu entendo e por caber somente a mim é que é pior - o veneno e a cura se diferem pelo tamanho de suas doses. Entretanto, tenho em mim um cansaço tão grande, tão perene que nem consigo viver o verbo que eu mesmo criei - resilienciar. 

Me calo e olho a olho encaro o meu reflexo no espelho. Como (ou quando) eu vou sair daqui?

Silêncio.

É uma angústia constante, um medo incessante, um par de mãos apertando meu pescoço até o último suspiro de ar vazar. Olho pra lua cheia e me lembro dos seus olhos, cerrados mas brilhantes, fixados nos meus, testa a testa, dois pra lá, dois pra cá. Pudera eu retornar, pudera eu viajar entre as várias ondas de possibilidade do tempo para encontrá-lo de novo.

As pessoas não compreendem, não decifram os códigos que esses nós se tornaram. Estou perdido no meio de tantos, sozinho ainda que acompanhado. E não há nada mais triste do que ter pessoas ao seu lado e não ter ninguém, de fato, junto de você. Palavras mal trocadas, beijos mal beijados, abraços mal abraçados. Nós ficamos, mais uma vez, distantes. 

É como se estivéssemos fadados aos encontros esporádicos que minha consciência, talvez impiedosamente, me obrigam a ir. E aperta meu coração saber que eu tinha razão - eu precisava estar em certos lugares, em certas horas e em certos momentos. Ouvir-me de dentro pra fora me rasga e quanto mais eu me rasgo, mais eu me encontro com quem realmente sou.

Degradado, perdido, sentimental, apaixonado, sofrido e sofrível, um monstro e um anjo, eu sou uma ambiguidade que vai se rasgando em camadas. A cada uma delas eu me encontro mais cru, mais nu, mais à carne viva e despido de todo orgulho, todas as palavras, todas as vestes que vesti para me defender.

Me faço e me desfaço, nasço e renasço. Estou no meu limite mesmo permitindo, diariamente, que essa tristeza e angústia vazem dos meus olhos. Mais poderoso do que qualquer narcótico, você tem mexido com meus neurônios, misturado meus sentimentos e desfeito toda ordem e arrumação que eu impusera a mim mesmo.

Perdido, triste, choroso, continuo seguindo...seguindo...e encontrando, inevitavelmente, você. Como um aeroporto, chegadas e partidas são minha única certeza, viajante, você parte e me parte e só resta o perfume. 

Há fins e há recomeços. Há ciclos que se fecham, portas que se abrem e caminhos tortuosos que se abrandam. É como se eu soubesse tudo o que vai acontecer na minha vida. Previsível. 

As distâncias, os medos, as angústias e as dúvidas, os amores que se passaram, os que passam e os que ainda virão para manter as engrenagens de um pisciano funcionando. Tanta coisa vivi, tanta coisa passei e sobre todas elas há um consenso: eu as venci.

Independente de quanto me custou, do quão longe e difícil foi, por tudo passei e por tudo venci. Poderia ter desistido tantas vezes as coisas foram difíceis, mas permaneci no meu propósito e no meu caminho, permaneci na busca do meu pó de ouro no fim do arco íris. Há muita coisa pra viver, há muita coisa pra sentir, há muita água pra escorrer dos meus olhos e passar por debaixo da ponte da vida. Tanto já se foi, tanto já passou, que olho para trás e todos aqueles obstáculos, amores, dores, lembranças, se tornaram páginas completamente esquecíveis.

Os homens, que antes representavam o melhor que eu julgava existir, hoje sequer representam o pior - se resumem a momentos constrangedores numa prateleira empoeirada. As difíceis guerras que travei contra mim mesmo, contra meu coração, contra meus pensamentos, são capítulos de uma história de conquista. Tudo tem um desfecho - às vezes trágico, às vezes mágico. 

Essa foi mais uma daquelas histórias de amor que foram lindas aqui na minha cabeça e péssimas no mundo. Talvez até mesmo pelo meu desrespeito aos sonhos, anseios e desejos do outro - como já o repeti no passado. Mais uma vez chega ao fim, sem respostas longas, sem diálogos intensos, somente dosagens diárias de tempo e paciência. 

Se antes escorria pelos meus olhos, hoje se encontra, como todas as histórias de amor do passado, embaixo da terra. E é assim que o passado vai se formando, com um lindo e estrondoso silêncio. 

Com um beijo de despedida ou uma decepção previsível, não há mais o que fazer - a última pá de cal está pronta para ser jogada sobre esses nós. Mais uma vez um ciclo se fecha. 

Tomara que nenhum outro comece, a minha paciência se esgotou.