Faz muito tempo que eu sumi. Fui desaparecendo aos poucos, ficando transparente, cinza, insosso e deixando de escrever.
O blog que era minha casa se tornou um estranho. O diário da capa vermelha acabou e o da capa azul foi iniciado. Como se em palavras eu fosse resolver as grandes questões e fantasmas da minha vida. Por um lado, quanto me sento à minha escrivaninha, de fato sinto como se tivesse resolvendo os grandes problemas que permeiam a humanidade e inevitavelmente também facilitam a vida para mim.
Porque ainda que meus sonhos estejam empoeirados dentro de um caixote no quarto da bagunça, ainda que eu me sinta sozinho, distante e sem rumo, de alguma forma resta em mim um pouco de humanidade. Humanidade pra reconhecer que a distância entre quem está na rua e eu que pago por um teto que não é meu não é muito longa, talvez eu tenha cruzado uma ponte estreita mais rápido.
Faz muito tempo que eu sumi. Deixei meu blog porque achei que tudo estava bem. E alguma coisa está bem dois anos depois de uma peste que prometia mudar todo o rumo da humanidade mas só escancarou o egoÃsmo, o fascismo e o pior lado de cada um de nós? Alguma coisa está bem num paÃs com a economia em situação de barril descendo as cataratas do Iguaçu?
De alguma maneira, estamos todos tocando nossos violinos aguardando a água nos submergir. E como pisciano que sonha, ainda imagino que nascerão barbatanas e brânquias para me ajudar a respirar embaixo d'água e vencer. Se é que se vence ou há espaço no pódio pra gente como eu.
Faz muito tempo que eu sumi. Sobrou aqui um corpo - que já foi mais saudável, alguns sentimentos - que já foram melhores, e alguns sonhos - que ficavam numa prateleira e não dentro de uma caixa empoeirada no quarto da bagunça. Eu sumi, mas ainda resta um pingo de humanidade.
Um tantinho suficiente para chorar, sentir saudade e nas horas em que os tarjas pretas estão no ciclo de absorção, sentir um pouco de otimismo quÃmico e artificial, num mundo pessimista e carnal. Faz muito tempo que eu sumi em cores, em sentimentos, em amores.
Faz muito tempo que eu sumi sem perceber que a história, implacável, me deu várias rasteiras com a sua borracha. Demolindo sonhos, projetos e conquistas como se apagasse um erro qualquer numa folha de papel.