Se eu pudesse retornar àquela tarde nublada ali no meio de maio, junho, quase férias escolares, eu congelaria aquela primeira imagem inocente que eu tive de você.

Manteria viva a lembrança da calça jeans larga e comprida caindo sobre o all star surrado, a camiseta cinza dois números acima do ideal. Se eu pudesse retornar ao meu par de botas marrom, minha calça dobrada nas barras e aquela blusa de linha toda desengonçada e ao mesmo tempo pudesse lembrar desses anos que já se passaram, eu com certeza teria estendido a conversa na estação Tatuapé pra que propositalmente nos desencontrássemos.

Se eu pudesse retornar àquela festa, já um tempo depois, não teria bebido, teria de fato parado ''na cervejinha'' e evitado aquela conversa desagradável. Teria me preocupado com minha mão melada de catuaba, meu cabelo escondendo o rastro do desastre químico da noite anterior e minha amiga sofrendo pelo término recente do namoro. Se eu pudesse retornar teria evitado erros, precipitações e teria contido minha ansiedade com os psicotrópicos, fitoterápicos e o balançar inconstante dos meus pés deitado no box da cama, assistindo a tv de tubo e olhando pela janela os passos do vizinho do terceiro bloco.

Teria escrito textos mais ausentes de você. Teria escolhido melhor as palavras. 

No silêncio do meu apartamento, na imensidão de todo espaço vazio as lembranças são cruéis. As paredes azul-calcinha estão cheias de neons imaginários rememorando arrependimentos e lamentos. Se eu pudesse retornar àquela tarde em que eu te criei dentro de mim, eu teria me desencontrado deste caminho e mantido aquele olhar meio de relance, meio apressado, daquele garoto que mais parecia um menino de ensino médio rindo com as amigas. Que belos dentes tortos ele tinha.

Mas mistérios são assim, me encantam, me hipnotizam, me prendem. Tanta água rolou por esta ponte que nos distancia e nem um passo de progressão nesta história. Tantas vezes me despedi e sem notar retornei. Tantas vezes acreditei que ia ser diferente e que de fato eu estava colocando um ponto final nesse drama e no dia seguinte escrevi mais uma página.

Se eu pudesse retornar àquela tarde em que lhe vi e desci a rampa da Assis Ribeiro cheio de perguntas (Quem? De onde? O que faz?), eu as teria respondido imediatamente. Nós somos assim: palavras frias, vazias, rápidas e diretas. 

-Esquece, Philippe. Tem roupa pra esticar no varal e louça na pia pra lavar.

Ah, se eu pudesse retornar ao Tatuapé e perder aquele trem...nunca teria descido a rampa achando que dessa vez, daquela vez em específico, o destino tinha tramado algo e ia ser diferente.

Sempre é pra ser diferente, mas no fundo é tudo igual. Se eu pudesse congelar aquele momento, teria parado por ali...mas as histórias, como gelo, derretem e evaporam.

Eu retornei ao terapeuta. Que agora é ela. Encontrei um apartamento nas medidas ideais. Estou em experimentações no trabalho que têm delineado a linha de contribuição que tenho para a cidade. Tenho encontrado soluções entre um Valleriana e outro. 2018 nem começou, mas já é um ano bom.

E essa bondade vem pelo otimismo que tenho imprimido à tudo o que faço. ''Vai dar certo''. Me lembrei hoje, pela manhã, quando estava com um pequeno ranço do domingo, daquela fala do Derek Shepherd: ''É um lindo dia para salvar vidas!''. Nem sempre as vidas eram salvas, mas sempre o dia era lindo. É um lindo dia para pegar um ônibus cheio aqui, um metrô com o ar condicionado desligado ali. Assim que a gente aprende a valorizar. Ainda tenho minhas expectativas, como bom pisciano e Philippe que sou, mas tenho me contentado mais com o agora. 

Os desafios são outros neste momento. É hora de reaprender.

Reaprender a desfrutar da minha própria companhia, organizar minha vida, encontrar coisas que eu goste e queira fazer. É sempre um lindo dia para ficar comigo mesmo. As tristezas vêm, as felicidades também, mas ambas pegam o mesmo trem rumo ao infinito. Nós, finitos, temos de fazer dessas passagens as melhores possíveis. 

Eu não espero que 2018 traga grandes mudanças, grandes amores, grandes transformações. Mentira, no fundo até espero. Mas se for um ano menos sofrido e mais compassivo comigo, já será o suficiente. Nós é que fazemos os dias e quando a soma chega a 365 é que vemos o resultado final: o ano se situa onde nós o colocamos.

Reconheço, como Marília Mendonça, ''já tá ficando chato'' essa coisa de não ter uma intimidade com outra alma para compartilhar segredos, brincadeirinhas pornográficas e piadas bobas. É uma chatice passageira, isso também entra em algum vagão. É sempre um lindo dia para ter de sofrer por paixões mal resolvidas, desafetos, ingratidão e coisas que sequer aconteceram. 

Quem renova sou eu, o ano é só um número. Que seja doce. E com calda extra, por favor.