Trago na tentativa de acelerar os dias por aÃ. Todos eles acinzentados e frios, como um bom inverno paulistano tem de ser. Os casacos cheirando madeira, os lenços enrolados em pó. Os dias frios do ano chegaram.
Tenho uma afeição por essa frieza que me é natural. Tomo um vinho, por vezes acendo um cigarro. Toca um clássico da MPB moderna nos fones. Escorro um pouco pelos olhos até tomar o analgésico e dormir.
Essas doses mal contadas e que saturam o conta-gotas são uma tentativa, por vezes eficaz e noutras vã, de aliviar a dor metafÃsica no peito. Não é princÃpio de infarto, nem fadiga, tampouco a doença crônica do coração. Quisera que fosse algo que se resolvesse com um bisturi e algumas mãos habilidosas.
Trago o incenso que acendi e se apagou com o vento frio. Sinto um cheiro doce com sabor amargo.
Sinestesia.
Sinto saudade.
Dos dias sentados ao sofá confortável sem dizer nenhuma palavra. Das risadas na mesa do shopping como se tivéssemos em casa. Sinto uma falta imensa que dói. Não há um cardiologista especializado nesses problemas. No dia a dia, as tentativas de destaque do ser humano, como um filhote buscando as tetas da cadela-mãe, me irritam, me magoam, me entristecem.
Chego em casa e o apartamento tão pequeno parece gigante. São distâncias relativas que me sugam as energias e me deixam deitado por horas observando as outras janelas. Estou fazendo o jantar, o que eles estão fazendo? O que você está fazendo?
Sinto uma saudade imensa da segunda-feira em que decidi tomei uma atitude precipitada e sem pensar.
Como foi seu dia, meu bem? Fica aqui mais um pouquinho. Apaga a luz? Sou eu dizendo à minha mórbida companhia todas as palavras que não disse. Olho fixamente pro espelho. Enxergo seus olhos. Te amo sem resposta. Sem causa, sem efeito, sem sonoridade, abro a torneira e me vejo ali, de pijamas, falando sozinho.
A imagem que eu vejo não está lá. Nunca esteve. É mais uma noite de inverno que eu banho a cidade com o sereno dos meus olhos.