A cidade constitucional: Capital da República – IX. Brasília:

Disciplina de graduação da Universidade de São Paulo, ACH 3666, 2015

Profs. Dr. NERLING, Marcelo Arno. Dr. ANDRADE, Douglas de.

INTRODUÇÃO

Realizada de 05 a 12 de setembro, a disciplina ''A Cidade Constitucional: Capital da

República - IX'', tem por seu escopo, desde sua criação, atender aos princípios de toda

universidade, em especial a Universidade de São Paulo, de ensino, pesquisa e extensão,

através de uma viagem didática à capital federal por ensino através da andragogia, isto é,

o ensino para adultos.

Atendendo também ao princípio da interdisciplinariedade e multidisciplinaridade, a

disciplina reuniu estudantes de Gestão de Políticas Públicas, Administração Pública,

Lazer e Turismo, Têxtil e Moda, Sistemas da Informação, Educação Física e Saúde,

Obstetrícia e Licenciatura em Ciências da Natureza da Escola de Artes, Ciências e

Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH – USP), Centro de Ciências da

Administração e Socioeconômicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (ESAG –

UDESC), e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - campus Seropédica (UFRRJ)

no alojamento da Escola Superior de Administração Fazendária – (ESAF).

O roteiro seguido se dividiu nos seguintes eixos, (bem como este relatório se faz

antes de conclui-se com as impressões pessoais do autor):

▪ Sustentabilidade, pátria educadora e educação fiscal na cidade

constitucional.

▪ Educação fiscal e coesão social.

▪ Sustentabilidade e educação fiscal: a pátria educadora na cidade

constitucional.

▪ Pátria educadora de direitos humanos e de participação social na cidade

constitucional.

▪ Pátria educadora e sustentabilidade.

1- Sustentabilidade, pátria educadora e educação fiscal na cidade constitucional.

Esse primeiro eixo se iniciou com a visita ao Palácio do Planalto e Palácio do

Itamaraty onde, além da obra arquitetônica de Oscar Niemeyer, pode-se observar onde

funcionam os gabinetes da Presidente da República, Dilma Roussef, e do Ministro de

Estado das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Sobretudo à obra, é notável como a

importância dos monumentos está mais em suas formas do que, de fato, em seu

funcionamento. Apesar de ter sido um gênio da arquitetura, a obra de Oscar Niemeyer,

pensada de forma a percebermos e tomarmos noção do espaço, torna-se meramente

ilustrativa em Brasília, onde a realpolitik e o funcionamento de fato das instituições está

em seus anexos, grandes prédios quadrados parecidos com contêineres atrás desses

palácios, em especial, e também do Palácio de Justiça de Brasília, que abriga o Ministério

da Justiça.

Após as visitações, que duraram a tarde do dia 06 de setembro, a delegação se

reuniu na Escola Superior de Administração Fazendária – ESAF, onde se alojaram e se

prepararam para a noite, onde ocorreu a apresentação da ESAF, da disciplina e uma

dinâmica de grupo muito agregadora no sentido da interdisciplinariedade entre as

instituições e áreas envolvidas no projeto.

A primeira fala foi da Diretora Geral Adjunta e vice-presidente da ESAF, Raimunda

Ferreira de Almeida, dando as boas vindas e falando da importância da juventude nos

processos de construção política do Brasil e da disciplina como meio de formação de

lideranças para uma sociedade justa e em mudança contínua.

Após a vice-diretora, a palavra foi dos professores Douglas Andrade da EACH –

USP, Jonas Machado da UDESC e do professor responsável pela UFRRJ, seguidos pela

apresentação do professor Marcelo Nerling a respeito do que é a disciplina, seu intuito,

objeto de estudo, metodologia e provocações a respeito do papel da cidadania na

sociedade em que vivemos.

Encerrado o primeiro dia, o segundo se iniciou com a ida dos estudantes ao Desfile

Cívico em comemoração ao Dia da Independência do Brasil, 7 de setembro, momento

este de muito entusiasmo e emoção pelo sentimento nacionalista que há em Brasília,

principalmente daqueles que desfilam sob forte sol, prestando honrarias e respeito aos

brasileiros e à Presidente da República.

Em seguida, já pela noite, Fabiana Feijó de Oliveira Baptstucci, apresentou o

Programa Nacional de Administração Fiscal – PNEF, que há vinte anos tinha como

objetivo aumentar a arrecadação de imposto ao Estado e hoje visa pensar a melhoria da

aplicação dos recursos estatais com a promoção do controle social, conclamando os

cidadãos a se posicionarem quanto à forma que o Estado se organiza e gere seus

recursos de forma eficiente – isso se dá por meio de Democracia Participativa e Controle

Social, através da legislação existente. Depois dessa fala, uma dinâmica aplicada permitiu

a interação dos estudantes em torno de questões propostas pela palestrante permeando,

sempre, a missão do PNEF, este momento foi muito rico pois permitiu, mais abertamente,

compreender as diferentes abordagens que os cursos do Campo de Públicas têm e as

diferentes visões de sociedade e participação de estudantes de Gestão de Políticas

Públicas, Administração Pública, Têxtil e Moda e Educação Física e Saúde.

2 – Educação fiscal e coesão social.

A terça-feira se iniciou, novamente, com a gerente do PNAF, Fabiana Feijó,

complementando sua fala anterior com o funcionamento institucional do PNAF, seus

valores e diretrizes e apresentação dos cursos que o programa engloba.

Seguindo, no V Seminário USP- ESAF – A educação fiscal e a sustentabilidade

no gasto público fortalecem a coesão social na cidade constitucional, Alexandre

Motta, Diretor-Geral da ESAF, apresentou a ESAF como uma escola necessária não só

ao governo, já que as áreas mais estruturadas e produtivas deste estão ligadas a uma

escola de governo, mas também à sociedade, uma vez que o serviço público se trata de

servir e compromissar-se com a luta por um país mais justo e soberano, emocionando-se

e emocionando a todos os presentes. Depois, Sebastião Ruy Oliveira de Souza, Diretor

de Eventos e Capacitação da ESAF, falou brevemente a respeito da área e suas funções

dentro da escola.

Já pela tarde, durante o IX Seminário USP – MS – O Ministério da Saúde (MS),

o senhor Angelo, do Departamento de gestão e da regulação do trabalho em saúde

(Degerts SUS) – formado em Gestão de Políticas Públicas na EACH-USP; José Santana

(Médico Sanitarista); Katia Godoy, Coordenadoria Geral de Alimentação e Nutrição; e

Mariana Freitas (Violência e Saúde Pública), apresentaram de forma panorâmica alguns

programas, diretrizes, missão e visão sobre políticas públicas de saúde que se tem dentro

do ministério e como sua atuação na sociedade não pode ser isolada e tem de ser

intersetorial no âmbito governamental, esse seminário foi muito importante sobretudo aos

estudantes de áreas correlatas à temática da saúde.

O dia se encerrou após a visita ao prédio da Receita Federal e o I Seminário USP

– RFB – A Rede de Educação Fiscal da Receita Federal na cidade constitucional,

com palestra do Dr. Antônio Henrique Lindemberg Baltazar, que tratando do tema da

tributação, iniciou sua fala sobre reflexões acerca da tributação dentro do modelo

republicano e a Teoria do Jurispositivismo, chegando ao ponto central que se refle sobre

as mudanças de se pensar o Estado e as implicações que isso tem sobre a tributação;

assim, é necessário ao Estado a demonstração das razões das normas que o legitima

perante a sociedade – através dos serviços prestados pela atribuição dos tributos. A fala

do Dr Lindemberg se encontra diretamente com a de Fabiana Feijó, do PNEF, quando ele

conclui inferindo a falta de convicção que temos de que a tributação permeia nossa vida.

3 – Sustentabilidade e educação fiscal: a pátria educadora na cidade constitucional.

Pela quarta-feira, o dia se iniciou com o III Seminário IPEA – USP – A gestão do

conhecimento na cidade constitucional e o II Seminário USP-FNDE – Aa prestação

de contas na gestão da educação da cidade constitucional, abordando a difusão de

conhecimento e a importância da mesma para a gestão e inovação em políticas públicas.

Já à tarde, a delegação visitou a Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida,

conhecida popularmente como Catedral de Brasília, de arquitetura e acústica

interessantes, mas que retrata o mesmo cenário das igrejas do Brasil: a riqueza do clero e

a pobreza orbitando em torno de lugares que deveriam ser para o acolhimento dos mais

pobres porém se tornaram meros centros turísticos distantes dos princípios cristãos. Após

a visita, seguiu-se à visitação ao prédio da Caixa Econômica Federal, onde uma

exposição de arte em cristal se alojava no térreo do edifício, iluminado por vitrais que

retratam a cultura e peculiaridade de cada estado da federação, à exceção dos criados

após sua inauguração.

Já no Banco Central do Brasil, aconteceu o II Seminário USP – CAIXA –

Programa Melhores Práticas de Gestão Local e o III Seminário USP – Banco Central

– A Estratégia Nacional de Educação Financeira, tratando, por meio de Rafael

Galeazzi, no primeiro, do incentivo à Caixa como principal agente do governo para

execução de políticas públicas, parceria estratégica e promoção de cidadania, a

programas que resultam em melhoria de qualidade de vida à cidadãos, fazendo ''o que

tem que ser feito'', algo considerado meritoso já que, por vezes, a inovação pode dificultar

a reaplicação de boas práticas a realidades diferentes; No segundo caso, já com Moisés

Coelho, tratou-se da informação, formação e orientação para a conscientização dos

brasileiros quanto à responsabilização com seus gastos e investimentos pessoais.

4 – Pátria educadora de direitos humanos e participação social na cidade

constitucional.

Pela manhã, a Fundação Darcy Ribeiro, localizada na Universidade de Brasília,

sediou o VI Seminário USP – UnB – Tributo à Darcy Ribeiro, onde o Doutor Geraldo de

Souza Junior e o professor Aloísio Teixeira compartilharam reflexões acerca do ''direito

achado na rua'', as formas de manifestações por direitos que iniciaram-se nas ruas e

foram abraçadas institucionalmente, além do histórico de novas formas de educação e da

luta das cidades satélites, pobres, em torno da constante construção de Brasília.

Pela tarde, já dentro do Poder Legislativo, no âmbito da Comissão de Direitos

Humanos e Legislação Participativa, o Exmo. Sr. Senador João Capiberibe, do Partido

Socialista Brasileiro (PSB), autor da lei que institui os famigerados portais da

transparência como instrumento de controle social, recebeu a delegação para debater

essas questões na cidade constitucional. Após isso, os estudantes puderam visitar o

Congresso Nacional.

À noite, uma das melhores experiências da disciplina aconteceu durante o VIII

Seminário USP – Ministério da Justiça – A Secretaria Nacional de Justiça e a Gestão

do Fundo Antidrogas para a cidade constitucional, ministrado pelo Sr. Secretário Beto

Vasconcellos, jovem que mudou o tema do seminário para duas temáticas atuais e de

extrema importância para o futuro da gestão pública: a política para refugiados e a

corrupção; Beto inicia sua fala acerca da importância da juventude para a inovação,

ousadia e alegria nos ambientes, com sua vivência e visão pessoal sobre os temas, o

momento se tornou emocionante e motivador quando o mesmo terminou sua fala dizendo

que ''se um dia, alguém te desqualificar por ser jovem, responda que se a juventude for

um defeito, o tempo cura, mas os demais defeitos não são curáveis''.

5 – Pátria educadora e sustentabilidade.

A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, que recebe e

examina propostas de leis da sociedade civil organizada, recebeu os estudantes com o

Secretário Executivo Aldo Matos, falando sobre a importância da participação e,

sobretudo, mostrando a importância dos servidores públicos e como é possível participar

da política através de uma simulação de comissões que votaram, simbolicamente,

projetos de leis. Tive a honra de ser eleito, por meio dos colegas deputados, o primeiro

vice-presidente da mesa diretora, onde pude compreender a importância da atuação

política e o conflito de interesses que pode haver dentro de determinados temas.

CONCLUSÃO

A experiência da disciplina A Cidade Constitucional IX - A Capital da República, foi

muito enriquecedora, se por um lado trouxe reflexões sobre temas cotidianos que passam

desapercebidos dentro da universidade pública brasileira, por outro, pôde fazer com que

os estudantes tivessem outra visão acerca da política, das instituições, do governo e do

Estado, uma vez que diversas vocações puderam ser afloradas durante a visita a Brasília:

política, militância, funcionalismo, liderança…

Um dos pontos que mais se destacaram, a meu ver, foram a presença da juventude

dentro do funcionamento do Estado brasileira, seja nas forças armadas durante o Desfile

da Independência, seja na pessoa do Sr. Secretário Nacional de Justiça, Beto

Vasconcellos, além da simulação do funcionamento de uma comissão dentro da Câmara

dos Deputados, permitindo que o sentimento de poder sobre a possibilidade pessoal de

mudança na sociedade fosse tomado pela delegação como um todo.

Agradeço aos professores responsáveis, à Universidade de São Paulo, às

instituições que nos receberam, principalmente a ESAF, e, sobretudo, aos colegas que

estiveram próximos de mim durante esses dias, pude conhecer as pessoas por outro viés,

pude quebrar meus preconceitos acerca de determinadas pessoas e situações e,

voltando-me para meu sentimento em relação à utopia de que o mundo pode ser mudado

a partir da boa vontade dos homens e da política, pude saber que não estou só na missão

imposta pela vida: a de ser gestor de políticas públicas, ser cidadão brasileiro, ser

orgulhoso da Pátria Educadora e, gloriosamente, ao mesmo tempo, estar acompanhado

de pessoas com a mesma boa vontade e com o mesmo carinho e amor pelo bem público

e mais precioso que temos: a nossa nação.

Encerro este relatório com a fase do grande Victor Hugo: ''Não há nada como o

sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.''

Cidade Constitucional -Lancemos luz a este olhar

¡Cierra su boca! 

¡Cierra su boca!

¡Cierra su boca!

¡Cierra su boca!

Todos eles estão perfeitos. Peles sem imperfeições de catapora, cabelos sedosos e sorrisos abertos. Braços presos ao corpo em simetria ao todo. Aparentam uma poesia que não se define, sorriem sempre com a alegria de quem bem vive consigo e com os outros. Há seus amantes, há seus amores, há suas danças. Todos eles, perfeitos. Como um frango girando dentro de uma máquina de padaria, há diversos cães assentados querendo, ferozmente, suas coxas. Independente do uso ou mau uso da palavra, eles estão lá, sem esforço, sem revés, sem contradição. E eu, eu que tenho buscado e quisto, todos os dias e todas as horas, ser grande, sou o diminutivo da palavra homem. Perdido, como uma formiga que teve seu rastro riscado, procuro encontrar o meu formigueiro. Indolente, tento sê-lo com a sede de quem passou quarentenas nos deserto. Um sorriso sempre igual, um rosto disforme, um cabelo de cantor sertanejo, o corpo de um gigante desajeitado, pés tortos, marcas de catapora, oleosidade. Nada é, fatidicamente, bom. Bom mesmo seria tomar mais um ou dois remédios tarja preta, que estão sumindo com rapidez da minha cartela, e ficar em posição fetal até desintegrar-me no meu colchão. Estou solto, pequenino, infame, imperceptível como um grão de areia único no deserto. Sou um 'Poema em Linha Reta' e parece-me que pior do que a falta d'água e de comida, e até mesmo falta amor, é sentir falta de você mesmo. Aonde foi que a minha alma desapareceu? 

''Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.''

Tão bom poder sonhar mesmo que acordado e estar em meio a várias pessoas concentrando-me em só uma. Há várias vozes que tentam me despertar, mas só uma realmente me faz acordar e seguir além: a sua. Não são raros os momentos em que sou surpreendido por não estar aqui e estar lá, sabe-se onde, bem distante. Sonho? Déjà-vu? Desejo? Não sei. Há um lugar feito pra nós dois e que só eu consigo enxergar, só eu consigo chegar. Viver sem a sua presença é real demais, eu gosto de sonhar acordado. Seja aqui, lá, no céu ou até mesmo no inferno, distante de todos ou não, ninguém vai poder estraçalhar os momentos em que eu passo ao seu lado. Nem mesmo você. 

Eu estou me reconstruindo, não nego.

Está difícil ter de colar os diversos pedaços meus que se espalharam por aí, estou operando diariamente para voltar a ser quem eu sou: um sonhador. E meus sonhos custam alto demais para meus bolsos, entretanto, nunca me abstive de ir atrás da busca do preço que tenho de pegar. Às vezes caro demais, outras muito aquém do que acho que deveria.

Não sei se estou sendo piegas demais ou se já me cansei, mas há um fato que não posso mudar: eu vivo de mudança. Eu sou um viajante no tempo e nos espaços e não tenho, diante da vida, a permissão de fincar raízes muito profundas. Não sei que frutos esta árvore produz ou pode produzir, sou apenas sombra para os cansados e lenha para os que estão frio por dentro. Tenho estado confuso, confesso, mas não me questiono mais sobre as coisas da vida, estou sentado esperando as respostas.

É conflituoso, é angustiante - mas eu sou isso e mais uma porção de sentimentos misturados em aquarela. Que me deixem em paz um pouquinho os seus sorrisos, suas novidades e suas glórias ante minhas derrotas, eu preciso me reconstruir também. Resilienciar - o meu verbo, o meu ciclo.

E se meu pescoço tivesse sido esticado naquela trança de lençol e ao invés de Theodoro com TH fosse Philippe com PH naquela lápide de mármore?

Seria audacioso da minha parte me abdicar de estar aqui e não ter de lidar com diversas questões, não seria necessário, no entanto, ser um palhaço num malabarismo desequilibrado. Pelo menos ninguém riria do meu desespero. Eu gostaria de ter ido embora de vez, naquele dia que você marcou ou alguns antes ou depois, queria poder ter dito que tudo ia ficar bem e ter encontrado uma solução tão prática quanto aquela a que se propôs meu grande afeto.

Fraco. Covarde. Estou preso em um canto sendo apunhalado por diversos lados. Eu estou sozinho, nu e jogado na rua. Todas as portas se fecharam à mesma velocidade que se abriram, só há uma que permanece aberta com uma luz que ilumina um corpo estirado, membros inchados e seus olhos mortos. Nunca mais me esquecerei do brilho que tiveram ao dizer que tudo ia ficar bem. Eram falsos.

Ora, se ficar bem é ter de passar pelos leões e sair vivo e em frangalhos, que eu possa me acovardar e me auto-apunhalar até meu fim. Que herança hei de deixar senão uns poemas mal escritos, uns risos vazios e umas cartas que nunca serão enviadas? Que lembrança ficará senão do covarde que no auge de sua covardia decidiu partir? E ir embora é decisão difícil, é pra quem tem força o suficiente pra dizer adeus ao que fica e se abrir ao que pode chegar e que talvez nunca virá. Eu quis ir embora e nunca consegui, estou ancorado nos meus afetos, nas minhas dores, nos meus enganos.

A mala está pesada. O fardo já não consigo suportar. As palavras não refletem minhas lágrimas sobre o teclado gasto de um computador velho. Eu cansei, Theodoro. Eu deveria ter partido e te deixado aqui, com as dores que eu sinto hoje, com as cicatrizes abertas de sempre, com os tormentos que me tomam a cabeça e refletem em meu corpo. Vão se os cabelos, tremem-se as mãos, rasgam-se os versos. Eu estou diluindo e acinzentando-me no mundo e não sei quando vou recuperar a cor. Este mar se cansou da fúria, enjoou da calmaria e não tem águas navegáveis e permissivas de vida...Onde está o ralo? Eu preciso escoar e nunca mais voltar.

Adeus. Se me pedissem uma palavra que definisse minha vida, esta seria. Há tanto eu venho dizendo tchau pras coisas que têm de seguir seu rumo que, pensando friamente, eu não sei mais se sou marinheiro - minha vocação tem sido de porto. As pessoas se ancoram em mim, trocam suas mercadorias, suas experiências, seu saberes, eu as pago com o riso que eu posso causar em algumas delas e de repente, num piscar de olhos, elas estão indo embora.

O mar sempre me encantou. A sua solidão sombria, sua imensidão ofensiva durante as noites e receptiva durante os dias e seu chacoalhar calmo, mas frio, sempre me inspiraram poesia. Nos meus encontros com aquela água salgada eu pude sentir, dentro do âmago, que há alguém ali cheio de amor pra dar, mas um amor inútil. Eu também sou mar. Com um peito intrigante e aberto cheio de água, mas é água salgada. E não há quem se aventure a embebedar-se de mar - ou de amar.

Há tempos eu me pego pensando em quantas pessoas passaram pela estrada e pararam na sombra pra me cumprimentar. Nenhuma delas permaneceu por muito tempo e todas tiveram que ir embora e seguir seus caminhos. Não consegui ir atrás de ninguém. O tempo está correndo, a rosa dos ventos está se descontrolando, as pontes estão ruindo e eu...bem...eu continuo sentado na beira da estrada esperando quem passe e diga ''-E aí, vamos embora? Eu vim pra ir com você''. E quem vem, geralmente, não pode ir além da próxima sombra, ou do próximo porto.

E nesses pequenos espaços eu me canso mais do que os que sempre caminharam. Há quem passe de estrada em estrada e vá trocando suas companhias. Há quem caminhe sozinho e espera que os outros se acheguem. E há os poetas, como eu, que sentados só observam e escrevem. Eu não desenho bem, eu não escrevo bem, eu não dramatizo bem. Eu sou um artista incompreendido assim como quando o mar engole algumas almas. Eu sou um porto querendo partir, com um peito cheio de água salgada. Eu sou um mar cheio de amor e que só aparenta ser horror. Eu sou tudo - e nunca me torno nada.

Eu estou solto no mar revolto. Sem meus remos, sem minhas rotas. Estou perdido tentando, burramente, me encontrar. Tudo está nego e azul. A solidão desse mar me aflige e me deixa perplexo. Eu sou um mar sem vida e revolto. Não tenho esperança, não tenho sonho, não tenho tesão pela busca de nada. Me tornei tudo o que eu sempre repudiei, foi como cuspir pra cima e deixar cair na testa. É ácido.

Meu barco à deriva nunca teve onde aportar, não sabe para onde e ir e não tem esperança de chegar em algum lugar. Sou eu, um monte de remédios, um monte de problemas e o mar: escuro e revolto. Sou eu, sozinho, como sempre, olhando pro céu e caindo mais vezes, cortando o nariz mais vezes e dessa vez não há sutura - eu já não tenho sete anos. Eu estou sangrando. Eu nem sei se estou alguma coisa...eu não sou nada mais que um marinheiro à deriva esperando ser engolido pelo mar das próprias angústias, das próprias lágrimas e do próprio coração. Eu sou a maior armadilha que poderia ter acontecido pra mim mesmo. Quem me disse que amar nos leva a lugares distantes tomou outra rota...

Eu estava caído, sentado à beira do caminho esperando o bonde passar e me levar pra junto de você. De repente seus pés estavam dentro de um chinelo de couro do meu lado, nítido, ainda usava aquele jeans e a camiseta branca. -Levanta Phil, eu vim pra te levar embora.

E você me tirou de toda embriaguez e narcóticos que permearam a noite. De repente, na sobriedade, te sentindo do meu lado, eu chorei mais ainda. E você não se importou em dizer pra eu parar, como sempre. Chorei mais ainda. Eis que começam os meus questionamentos e você me olha, ainda com aquele sorriso e fala ''Calma Philippe, olha que bonito o dia que tá nascendo.'' Por que eu não posso ir com você? Por que eu não fui no seu lugar? Por que você me deixou?

''Eu tinha que ir, Phil. Eu fui pra que você ficasse, uns tem que ir em benefício dos outros. Deu minha hora, eu precisava ir embora.''

Suas respostas genéricas me irritaram. Tentei questionar e você me pedia silêncio. Como eu queria que você realmente estivesse comigo pra me ouvir todos os dias, pra saber o quanto eu sinto a sua falta e o quanto ela me machuca. Mas você sempre apareceu quando não deveria. Que noite desgraçada pra me encontrar, perdido, embriagado pela lucidez da realidade, quase um zumbi querendo colo. Nessas noites você sempre aparecia.

Então me disse pra eu não me importar com os outros. Como não, Theodoro? Como não!? Você agora tem tantas respostas que eu não sei buscar...Está ficando difícil pra mim. Eu te amei tanto e por tão pouco tempo que nem consegui escrever uma poesia ou um soneto, foi tudo rápido demais e você se despediu. Não me venha dizer que está tudo bem. Quando a morte aparece pra dizer que a vida está boa, não sei se posso confiar.

De repente eu estou chorando, mais ainda, quando você me diz que estava acabando seu tempo e você precisava ir. Não foi você que disse que tudo ia ficar bem? Não foi você que disse que iria sair? E as coisas que a gente tinha que fazer? Eu estou sozinho de novo, Theo, e você jurou que eu nunca mais me sentiria assim. Eu me lembro que você disse que íamos ser felizes e olha o que eu estou me tornando...

''Phil, vou te deixar aqui, eu preciso ir embora, eu vim só pra te ajudar. Eu te amo Phil, eu estou sempre com você. Esse é meu tchau pra você, eu tenho que ir. Tchau, se cuida...''

E você se foi com o sopro de um vento. Nunca vou saber se você brincou de morrer ou brinca de viver. Você morreu fisicamente e está presente na minha vida todos os dias, ainda leio a sua mensagem dizendo que ia se internar, a sua mensagem dizendo que a comida era ruim mas que você estava melhor, ainda ouço o telefone tocar com o seu pedido de uma visita. Uma única visita. E você nunca mais me ligou. O restante...bem...o restante eu ainda vivo. Infelizmente você disse que era a última vez que me levaria pra casa e que tinha que ir embora. Você nunca mentiu pra mim...Tchau Theo, eu te amo.

''-Os efeitos colaterais podem surgir com o tempo, isso depende da reação do organismo, em alguns pode haver ganho de peso e queda de cabelo, em outros pode ser as duas coisas, varia conforme o paciente reage ao tratamento
-Quanto tempo eu vou precisar tomar?
-Isso depende, vamos continuar com o floral, a análise, aí podemos ir diminuindo a dosagem, ou aumentando se necessário. Você tá com algum medo, algum receio?
-Se eu não tomar, fico no meu estado normal, que é esse aqui problemático, certo?
-Hm...mais ou menos
-Ah sim, ok, então vamos ver se isso resolve...
-Só depende de você.''


Eu estou me dopando para matar você dentro de mim. Quem sabe no receituário azul não esteja o inseticida que o impeça de criar ninho dentro de mim? Você não foi capaz de fechar a porta e dizer adeus, quem está arcando com os prejuízos dessa decisão inconsequente, e muito errada, sou eu. Você poderia ter esperado um pouco mais. Está difícil aqui. Muito difícil. Eu te odeio, Théo.

Cada vez que eu fico órfão de mim me lembro de todos aqueles que partiram, não só no sentido de ir embora, mas também no sentido de cortar meu coração. De certo modo, eu também fui embora com todos eles. Todas as vezes fiquei sozinho juntando os cacos, tentando reconstruir o quebra cabeça com peças faltantes que me tornei. Foram se embora os amigos, as bebidas, os amores. Permaneceram os remédios e a eterna certeza de que, uma hora ou outra, eu vou explodir novamente. E que dessa vez eu seja capaz de desintegrar totalmente...Não posso viver sabendo que é uma pílula química que me mantém, quem me mantém também me mata? Ai, ''Punhal de Prata''!

Hoje a vida só não está mais morta que o próprio Théo. Ele riria dessa piada se pudesse.

Quando tudo se esvazia, como uma descarga sanitária, e eu volto a ser pó durante uns dias, semanas ou meses, eu acabo voltando e olhando pra trás com medo dos monstros à frente. Às vezes eu não sei voltar. Às vezes eu corro rápido demais para o sentido oposto querendo, vorazmente, uma sublimação que me leve a evaporar.

''Você já pensou em tentar por mais uma vez, achar outro alguém que lhe queira também? Não é todo rio que tem o mar pra se encontrar, dá pra evaporar e encontrá-lo através do ar.''

Talvez eu tenha de virar ar pra encontrar as respostas das minhas questões. Alguém se foi e nem me explicou o motivo. Eu chorei e ainda há dentro de mim um rio querendo encontrar seu mar, quem me garante que eu não vou vazar se eu mesmo não posso fazê-lo? Eu estou caindo do 18º andar há algum tempo e, caído, tenho de me levantar para recolher meus próprio restos e limpar a sujeira carniceira que faço.

Eu estou me transformando em um zumbi, andando sedento de algo que não sei o que é, com urubus esperando que eu caia. As minhas feridas, já suturadas, estão infeccionadas, novamente, pela explosão que eu sou. Eu não sei lidar. Sair da BirdHouse foi duro, decepante e mais do que isso: desorientante.

Há em mim muitos sonhos, muito sono e uma vontade de jogar os tarjas preta dentro de um suco e despertar dentro de um espaço de tempo chamado ''nunca mais''. Nunca mais ouvi falar. Nunca mais ouvi dizer. Nunca mais apareceu. Nunca mais escreveu. Nunca mais viveu. Nunca mais me lembrei. Nunca mais. Talvez a overdose seja a súplica por alívio dos que tiveram de sobreviver dopados, a gana, a busca, o desejo: overdose. Eu estou sendo pisoteado por quem corre na busca e não desiste, por quem não tem medo dos monstros à frente, por quem não vai parar pra recolher meus restos.

Reclamo baixinho da minha situação. Os céus se cansaram das minhas lamúrias, o inferno não me julga alto o suficiente para tal regalia. Eu estou vivo e estou no limbo. E você, meu amor - meu defunto? Você que morreu, onde está? Nós nunca nos reencontraremos mesmo? Eu estou cansado do seu silêncio.

Nunca mais falou comigo e eu nunca mais direi o que preciso: uma overdose de você.

Aqui na Tuiuti há diversas árvores centenárias que do alto do décimo oitavo andar são minúsculas. Meu apartamento diminui tudo. Há também pessoas que aparentam ser centenárias e conhecedoras da história - pela experiência de quem viveu. Há quem passa todos os dias pela rua dando altas gargalhadas, há escolas, uma papelaria, um shopping, um metrô, uma igreja, uma praça. Eu também existo nessa rua, mesmo sendo tão bege como as árvores centenárias, as pessoas centenárias, as escolas, a papelaria, o metrô e etc, etc, etc.

Eu sinto que se esses sujeitos inanimados pudessem conversar comigo algo muito além do ''bom dia/boa tarde/boa noite'', eu ouviria poucas e boas sobre mim mesmo. Pode ser que o discurso do grupo dos centenários se resuma a dizer que sou jovem e pouco sei, que tudo passa e que é só uma fase. Há nessa fase um infinito tão grande perto da minha finitude que parece que ela olha pra mim do décimo oitavo andar e eu, pequeno como formiga, nem estou reparando.

Há coisas vazando da minha mão aqui da minha janela do décimo oitavo andar, eu não posso pular pra buscá-las, o tempo as levou e eu as perdi (como sempre aconteceu). Há lágrimas que escorrem, há poeira em cima da televisão e um papel jogado no chão. Tudo aqui é tão pequeno que às vezes julgo ser o meu coração perdido por aí. Quase sempre é só uma bola de papel que não preenche o oco que existe aqui. Que difícil viver, que difícil ser eu, todos riem, todos compram, todos passeiam, todos envelhecem, todos conquistam, todos morrem e ressuscitam e eu estou aqui, com um caderno de desenho e uma caixa de gizes de cera desenhando quem sou: eu sou só uma bolinha de papel perdida na rua sendo observado do décimo oitavo andar. Ninguém me enxerga mais.