Fechei os olhos e queimou.
Senti o cheiro do perfume tomando conta do ar. O barulho da rua tocava numa sinfonia só, a caçamba, o lixeiro, os carros e os motoboys, todos eles se tornaram entonações diferentes de uma mesma voz. Comecei a queimar.
Nas paredes as flores que não enviei começaram a murchar. Os vinhos que não tomamos se tornaram vinagre. As conversas, os domingos, o frio junto, tudo foi queimando. As ideias e pensamentos loucos, aquelas conversas e risadas extenuantes que nunca aconteceram, as filosofias que nunca se tornaram livros...
Levantei e liguei o chuveiro. Deitei e no dia seguinte a casa estava cheia de pó. Eram cinzas da noite em que queimei de saudade. Não pude conter a pequena fagulha que ficou aqui. E queimei.
Preso à minha hipocrisia de liberdade. Amarrado aos meus sonhos e dogmas. Mercadologicamente valioso, sentimentalmente vagabundo.
Aprendi a levantarr e vestir a roupa mais bem passada entre as amassadas e fingir que nada aconteceu. Entre queimaduras, ranhuras e saudades, permanecendo ou não, prendi-me à janela gigante da sala que se abre pra um mundo minúsculo.
Não chorei entre todos esses dias. Também pudera, se queimei não poderia exaustar-me em outro verbo. Imoral, sem escrúpulos, me rendi.
Ardor. Ardor. Ardor. Quarta-feira colorida, queimei de saudade e acordei na quinta em cinzas.
Fagulha. Explosão.