Há algum tempo em que venho ajeitando as abóboras na carroça. Chucro e cansado, venho tentando puxá-las sem deixar um longo rastro pela estrada.
Essa noite sonhei com o relógio velho do meu avô, cheio de não-me-toques e macetes para funcionar. Meu racional busca por essa peça no pobre acervo da famÃlia dispersada desde seu recolhimento ao Universo. O tempo daquele relógio parou, os meus tempos continuaram correndo e se aceleram.
Brevemente mais uma década chega para florescer outra primavera da minha vida. São anos correndo atrás de coisas intangÃveis, num mundo tangÃvel. E engraçado que, nesse interim, como ponteiro de um relógio velho, eu acabei voltando aos mesmos lugares: à s viagens corridas para a EACH, à s aulas na carteira fria e quadrada para ouvir sobre teorias, casos e histórias de coisas que ninguém se importa, somente aqueles que estão ali.
Deixei algumas coisas desarrumadas e fora do lugar para ceder um pouco de controle ao acaso. O acaso, que assim como na canção me deixou tão só, me fez dar voltas e reencontrar alguém por aÃ, tão perdido e sozinho como eu que em reciprocidade ou orgulho, não me notou nem para as boas maneiras rotineiras. E quem saiba por isso, meu descontrole não evitou me controlar. Sonhei ontem que eu dizia tudo o que não disse para quem amei de verdade. Que soltava as palavras difÃceis e duras que tanto me sufocaram e mesmo que tenha passado um longo tempo, ainda me sufocam. Ainda me fere a lembrança aquele e-mail em que eu disse tudo o que precisava, mas desviei o texto para não dizer de fato o que precisava.
Segui dando voltas para reencontrá-lo escrito nas paredes da minha memória. No teto branco e frio quando deito. Segui, como um relógio que sempre vai adiante, passando hora por hora até que os ponteiros pudessem ocupar o mesmo espaço-tempo.
Eu te amei dolorosamente, querido. E que ironia pensar que o amor pode doer, se deveria somente ser acalanto para aqueles que sofrem e esperança para aqueles que esperam. Eu te amei por muitos anos e por esses dias aqui, e mesmo que você soubesse - ou talvez saiba - eu nunca consegui verbalizar, porque eu sou ansioso e as palavras saem atropeladas pode um cérebro que não para.
Queria te contar sobre como estou sobrecarregado no trabalho e, ao mesmo tempo, responsável por atividades importantes e feliz em realizá-las com qualidade, respeito aos prazos e, principalmente, respeito a mim. Também tenho entre tantas coisas uma questão que tomei como pessoal e se refere mais à um amigo do que a mim, mas que você talvez se importasse em ajudar. Há algumas questões em relação ao mestrado que você poderia saber ou até mesmo me ajudar. E nasceram gansos na casa da minha mãe, desconexos de todos os outros assuntos mas com a leveza que precisamos para seguir sobre outros temas.
Fora isso há outros coisas guardas ou fora do lugar, claro. Outros processos do meu próprio amadurecimento e da minha experiência pessoal de vida. E mesmo que você não tenha feito psicologia, eu sei que me ouviria com o mesmo afinco e dedicação que eu faria. Sei que ao final de tudo você pediria a pizza ''à moda'' e eu desenformaria uma torta de limão. Mas nada disso é possÃvel, porque a vida é como um relógio com pilha infinita e embora envelheça e se perca por aÃ, os ponteiros continuam rodando, se encontrando e se perdendo no mesmo ciclo.
Eu gostaria de te dizer muita coisa. Que te amei. E talvez ainda ame. Que doeu. E talvez ainda doa.
Mas nós somos só ponteiros de um velho relógio marcando 09:15h. Hora de recomeçar o dia, os prazos da vida real não esperam. Ainda falta muito pra 12h. Ainda falta muito pra nos reencontrarmos.