Comecei por várias vezes um texto em que as palavras pudessem expressar meu ódio, minha raiva. Mas eu não consigo. Até tentei dizer, em repetidas frases, que você também vai passar pelo que eu passei e o que passo e vai me entender. Não vai ser do mesmo jeito, óbvio. 

Vai contra os meus princípios de vida desejar que coisas ruins aconteçam aos outros. Nem mesmo nos momentos de maior fúria consegui desejá-las tão profundamente, às vezes as palavras até saíram, mas nunca ecoaram porque não eram sinceras. Eu resolvi escrever sobre as coisas boas que hão de nos acontecer. De um jeito ou de outro, elas nos encontrarão, ainda que de passagem.

Um dia você também vai se encontrar. Em livros, filmes, no trabalho, em casa, em alguém, dentro de si mesmo - você vai se encontrar. É uma questão de tempo e até os desesperados, como eu, têm de esperar. As coisas boas vão acontecer pra você como acontecerão pra mim e para todos aqueles que têm, independente de tudo, o coração puro e aberto pro mundo.

O problema disso é que vez ou outra alguém entra e leva algo valioso, mancha as paredes e sai sem dar satisfação. Mas eu aprendi a reconstruir. Um dia você também vai precisar se reconstruir. Um dia essa pilha de sentimentos desmorona, deságua, inevitavelmente. E é preciso recomeçar.

Eu não consegui escrever um texto cheio de desejos ruins porque não é isso o que trago comigo e muito menos o que ofereço aos outros. Eu não consegui porque independente de tudo, ainda sim há coisas boas nessa desgraça que fomos. Textos, sensações, momentos, risadas, desespero. Tudo frutificou de alguma forma. 

Eu não ainda não tenho certeza das coisas que eu quero. O Senado, a sala de aula, um vida a dois. Mas eu sei, absolutamente, agora, o que eu não quero.

E eu não quero mais sofrer tanto assim por alguém. Me rasgar em textos e frases que tentam suplantar a dor. Eu não quero ter de ficar aqui, olhando para o teto, imaginando situações mil que nunca acontecerão. Um dia você também vai encontrar as certezas daquilo que você não quer como eu tenho encontrado. Hoje eu não quero mais nada sobre nós.

Como um fósforo que se apaga encontrando a pele, não posso aceitar que eu seja o único queimado nessa história.

A gente nunca quer acreditar no que o silêncio está dizendo.

A gente nunca quer acreditar que independente das externalidades, os mesmos fatores gerarão os mesmos produtos. A gente acredita que vai ser diferente. A gente acha que ''agora vai'', que vai dar certo.

No fundo a gente cansou de tantos tropeços e tantos problemas que nos apegamos à última gota de esperança: agora vai ser diferente. Foram tantos erros, tantos tombos, não é possível que mais uma vez seja igual. Mas é.

A gente nunca quer acreditar que os outros podem fugir do roteiro que nós mesmos previmos. A gente acha que a vida é um trem seguindo sempre os mesmos trilhos, mas ela é uma formiga desorientada. É uma experimentação científica em que jogamos sempre os mesmos elementos, provocando as mesmas reações e encontrando os mesmos resultados. A gente se decepciona sempre. A gente chora, a gente sofre, a gente se reconstrói e acredita piamente que na próxima vez vai ser diferente.

A gente nunca quer acreditar. A gente se auto sabota, mente, se engana, finge que está tudo bem por que a gente é covarde. A gente tem medo de encarar os fatos, lidar com os espinhos da realidade e se cortar ainda mais, e sofrer ainda mais e viver tudo de novo, de novo e de novo.

A gente nunca quer acreditar que vai ser a mesma coisa. Mas sempre é. A vida não tem surpresas,  nós é que esperamos demais sermos surpreendidos. A gente nunca quer acreditar que tudo deu errado. 

Talvez no Multiverso algo tenha funcionado pra nós. Cada decisão é uma não decisão, o problema é que a gente nunca quer acreditar nas consequências.

Eu queria conseguir sentir ódio e raiva de você.

Eu queria conseguir contar para as pessoas e terminar dizendo o quanto te odeio e o quanto ressinto tudo o que vivemos. Eu gostaria de que as minhas versões das nossas histórias fossem dramáticas, fúnebres e eu terminasse com os olhos quentes de raiva, com chamas que buscassem queimar todas as suas memórias dentro de mim.

Eu desejo com todas as minhas forças sentir raiva. Sentir ódio. Ter vontade, todos os dias, de amarrá-lo num trator e arrastá-lo de São Paulo a Mogi das Cruzes. Mas eu me conheço, chegando lá eu seria o primeiro a tratar dos seus ferimentos com todo zelo possível.

Gostaria que a nossa história terminasse, enfim, numa carnificina sentimental. Com traições, mentiras, intrigas, com mais pessoas participando dessa guerra. Sangue jorrando por todos os lados e um ódio que nos fizesse desejar a morte um do outro. Eu gostaria de ter sofrido com razão, de ter me angustiado por ter sido enganado por você - e não por mim mesmo.

Mas eu não consigo. Não há um dia sequer em que eu consiga sentir ódio, sentir raiva e maldizer teu nome para as pessoas. Não há um minuto do meu dia, por mais breve que o seja, em que eu deseje o seu fim da forma mais dramática possível. Não dá. Não é da minha natureza no que tange a nós dois.

Eu gostaria de sentir ódio e raiva de você. Eu gostaria de chorar com ódio de mim mesmo. Mas eu choro e lamento pela tristeza que a melancolia em que caímos traz consigo. Em todos os minutos do meu dia eu me pego não sentindo raiva, nem um pingo de remorso, mágoa ou rancor - eu me pego sonhando. E essa formar de encerrar um capítulo é a pior forma de todas. Ao invés de pontos finais, interrogações. Ao invés de desfechos, questões. Ao invés de nós - eu e você, longe, eu perdido, você não sei.

Sequer pensou numa desculpa. Sequer disse para sermos ''apenas amigos''. Covardia? Medo? Escondendo algo? Eu nunca vou saber. Eu só sei que nessa história, infelizmente, eu nunca vou conseguir sentir ódio de você.

Eu poderia ser mais forte do que isso, mas você me consumiu, meu bem. Você me consumiu. A gente sempre acha que vai ser diferente - e dessa vez é. Eu não consigo sentir raiva de você.

Eu me lembro das curvas, das voltas, da espessura dos fios do teu cabelo. Todos eles contando uma história sinuosa, cheia de pequenos nós, todos eles terminando leves, dançando conforme o vento. Eu me lembro das frases, eu me lembro da despedida, eu me lembro dos caminhos e dos sentidos. Eu me lembro, como se fosse ontem, de todos os detalhes, todas as palavras proferidas e aquelas que me engasgaram mas engoli por pura covardia, puro medo.

Por me lembrar tanto é que sofro e sinto tanto. Esse baú de memórias que carrego comigo é minha única preciosidade e sempre há espaço para mais e mais lembranças. Domingos como hoje me fazem lembrar dos domingos em que não passamos juntos, dos domingos em que eu abri a sua janela no chat, digitei e apaguei. Por puro medo. 

Lembro demais. Do perfume, da malha da sua camiseta, dos cabelos mais ou menos penteados, das curvas dos seus cachos, dos milímetros que separavam um dente do outro. Lembro, principalmente, das distâncias que nos separam. E me dói. É inevitável não chorar olhando pra essas lembranças espalhadas pelas minhas paredes internas, é impossível olhar pra toda essa história com início, meio e sem fim e não lamentar. Que autores incompetentes que nós fomos que sequer soubemos colocar um final infeliz.

E machuca demais saber que essa porta ficou aberta. Machuca demais olhar pra trás e não saber explicar o que aconteceu (ou não aconteceu). 

Na noite passada resolvi dormir ao invés de escrever. Resolvi ligar naquela rádio que só toca músicas românticas da década de 90 e tentar pensar em coisas boas, tentei pensar em nós e não consegui. Meu cérebro já se recusa a sonhar que nós somos uma possibilidade. Se recusa a imaginar as tardes de domingo, ou as noites de sábado, que poderíamos passar juntos. Se por um lado isso também me entristece, por outro é uma nova porta que se abre. Talvez eu esteja entrando, novamente, num processo de cura. 

Esse processo é doloroso. Os curativos ardem. As lágrimas, inevitavelmente, sempre ressurgem para colocar a dúvida - não é melhor sofrer a ferida aberta e tê-lo ainda que parasitando? Estou sentindo que pouco a pouco o sangue começa a coagular, reagir ao oxigênio e essa chaga aberta começar a se fechar. É mais uma cicatriz que se forma, é mais uma história que me marca e toma noites de sono, lágrimas e muitas palavras não ditas, apenas escritas.

Esse processo de cura é dolorido, demanda muito e ninguém compreende. Eu preciso chorar, botar pra fora, ter o meu período de expiação. Sozinho, à meia luz, eu preciso sentir e sofrer essa dor, para que eu me recorde, para que a ferida cicatrize, para que eu possa seguir em frente. 

É meu tempo de expiação. 

As pessoas falam que eu imagino demais, flutuo demais, sonho demais enquanto as coisas estão acontecendo e o mundo está girando. Talvez seja um erro meu, talvez seja meu Sol em Peixes (de novo a desculpa dos signos), talvez seja só eu mesmo preso à nós dois.

Quando eu me perco dentro dos meus pensamentos tudo é possível. Eu sou Presidente e você meu primeiro-cavalheiro, eu sou pai e você também, eu sou casa e morada. Quando eu me perco dentro da minha cabeça nós podemos sair pra tomar um chopp e dar umas risadas enquanto as pessoas voltam apressadas do trabalho. Quando eu estou fora de mim e preso à metafísica dos sonhos, tudo pode acontecer - inclusive eu e você (e essa rima tosca).

As pessoas usam drogas, álcool, psicotrópicos, religião, o que seja para que se alienem e de certa maneira encontrem sua paz. Eu tenho a sorte de buscar saídas e me alienar apenas ao fechar meus olhos. É quando faço isso que sinto que estamos em paz, que estamos na mesma sintonia. Quando fecho meus olhos vejo nós dois, dando aqueles beijos entre risadas e carinhos, olhando no fundo dos nossos olhos e não pensando em nada. São nesses momentos em que temos a intimidade necessária pra partilhar, pra termos a liberdade de conversar abertamente com nossas famílias, amigos, traçar planos e ficarmos juntos sem enjoarmos de nós mesmos. 

A tristeza me vem, todavia, quando abro esses mesmos olhos que me levam pra longe e me trazem pra realidade. Quando abro os olhos você não está escovando os dentes na pia enquanto eu o assisto, não há nossas roupas enroscadas no chão, não há despertadores para sairmos juntos no dia seguinte, não há nós e nem nós que nos prendam. 

Eu sonho demais, imagino demais, penso demais. Porque é assim que fujo, é assim que tenho paz, é assim que existimos - aqui dentro, de alguma forma, você vive comigo. E é somente assim que há tempo para o nosso desfecho, para o nosso fim - quando me deito e me permito estar perto de você.