Faz muito tempo que eu sumi

17:33:00

 Faz muito tempo que eu sumi. Fui desaparecendo aos poucos, ficando transparente, cinza, insosso e deixando de escrever.

O blog que era minha casa se tornou um estranho. O diário da capa vermelha acabou e o da capa azul foi iniciado. Como se em palavras eu fosse resolver as grandes questões e fantasmas da minha vida. Por um lado, quanto me sento à minha escrivaninha, de fato sinto como se tivesse resolvendo os grandes problemas que permeiam a humanidade e inevitavelmente também facilitam a vida para mim.

Porque ainda que meus sonhos estejam empoeirados dentro de um caixote no quarto da bagunça, ainda que eu me sinta sozinho, distante e sem rumo, de alguma forma resta em mim um pouco de humanidade. Humanidade pra reconhecer que a distância entre quem está na rua e eu que pago por um teto que não é meu não é muito longa, talvez eu tenha cruzado uma ponte estreita mais rápido.

Faz muito tempo que eu sumi. Deixei meu blog porque achei que tudo estava bem. E alguma coisa está bem dois anos depois de uma peste que prometia mudar todo o rumo da humanidade mas só escancarou o egoísmo, o fascismo e o pior lado de cada um de nós? Alguma coisa está bem num país com a economia em situação de barril descendo as cataratas do Iguaçu?

De alguma maneira, estamos todos tocando nossos violinos aguardando a água nos submergir. E como pisciano que sonha, ainda imagino que nascerão barbatanas e brânquias para me ajudar a respirar embaixo d'água e vencer. Se é que se vence ou há espaço no pódio pra gente como eu.

Faz muito tempo que eu sumi. Sobrou aqui um corpo - que já foi mais saudável, alguns sentimentos - que já foram melhores, e alguns sonhos - que ficavam numa prateleira e não dentro de uma caixa empoeirada no quarto da bagunça. Eu sumi, mas ainda resta um pingo de humanidade.

Um tantinho suficiente para chorar, sentir saudade e nas horas em que os tarjas pretas estão no ciclo de absorção, sentir um pouco de otimismo químico e artificial, num mundo pessimista e carnal. Faz muito tempo que eu sumi em cores, em sentimentos, em amores. 

Faz muito tempo que eu sumi sem perceber que a história, implacável, me deu várias rasteiras com a sua borracha. Demolindo sonhos, projetos e conquistas como se apagasse um erro qualquer numa folha de papel. 

À parte dessa desestruturação toda, após uma peste e vários reveses, mantém-se um coração que age por inércia, alguns cabelos que lutam contra a natureza e as mãos que conseguem ainda escrever. E é por isso que eu estou de volta aqui, como o adolescente que só tinha um blog e todos os sonhos do mundo, foram-se os sonhos, triturados pela máquina de moer gente que a vida é, e sobrou o Enfeite do Meu Ser - que sorte a minha, não!?

Faz muito tempo que eu sumi. E o que se mantém é o que se tem. 

You Might Also Like

0 comentários

Subscribe