E quando eu penso que me esqueci, eu me lembro mais. 

Poderia ser uma letra da Ana Carolina, daquelas que tocam na Nova Brasil FM, mas não...é a realidade. Dura e crua, como um grão de arroz in natura. Dia desses, conversando com uma amiga que lamentava, tristemente, suas perspectivas amorosas, finalizei a conversa com uma frase de efeito que não foi planejada: Você já reparou que até agora só citou o seu passado? Silêncio.

Refleti dentro do metrô lotado enquanto alguns braços incomodavam minhas vértebras. Você já reparou que até agora só citou o seu passado...Philippe? Até agora eu só tenho citado o meu passado. Mesmo quando escrevo dizendo que estou a milhas distante de quem fui, continuo com um pouquinho de mim preso ''lá''. Preso naquele que fui e onde estive, preso naquele passado e naqueles momentos lá atrás, mas tão presentes que eu poderia dizer que foram ontem.

A cozinha é meu refúgio. Seja pela compulsão por açúcar ou pela necessidade de ocupar as mãos com massas, doces, sucos e serviços domésticos. Transfiro minhas frustrações para a gaveta de talheres e coloco todos em um sentido só. Transfiro meus medos para o armário de vasilhas e coloco numeração em todos. Sou um perdido.

Enquanto aqueles que compuseram com traços vangoghianos meu passado estão sendo mais delicados e traçando suas rotas num pontilhismo detalhado, eu continuo dando traçadas fortes sobre meu papel. Esqueci o diário vermelho, esqueci os compromissos, esqueci de responder alguns e-mails. Estou perdido olhando pro teto...eu nunca reparei que na minha parede de fotos só tem o meu passado. Eu nunca reparei que nas minhas lágrimas sempre escorreu um pouco do meu passado.

Como um cristal que escorrega das mãos, meu coração se despedaça em milhões de grãos...Nunca havia percebido como o meu passado é tão presente, tão latente e incomoda tanto minhas emoções. Eu nunca consegui seguir em frente. Eu sou um charlatão.