E por fazer tanto, tenho me acostumado a esquecer. Esqueci o fogo ligado com um prato em cima. Esqueci a máquina desligada com roupa dentro. Esqueci de regar a samambaia. Esqueci paixões do passado. Esqueci a Aclimação, o dilema entre Paraíso e Liberdade, as tardes de solidão. 

E esquecendo me lembro de quem de fato controla tudo por aqui. Dos centavos das contas do mês aos sentimentos, dos detalhes da arrumação aos prazos de uma equipe em desequilíbrio. Tudo me cabe enquanto responsável.

Assim como precisei puxar a responsabilidade de tantos recomeços, de tantos pratos equilibrados em varetas de bambu, de tantos pedaços de mim que foram ficando pelo caminho, agora controlo toda recomposição de quem de fato sou.

O filho, o amigo, o senador, o vizinho, o coordenador, o consultor, o Philippe. Recomponho-me no bate papo do hall do prédio, na saída da academia, no mercadinho da esquina, na farmácia e em tantos outros cantos em que me acho e me perco por aí.

E por isso a responsabilidade de esquecer é tão fundamental. É ela que abre espaços para novas memórias. É ela que dá permissões que não pedi e me ocupa com agendas que não solicitei. É esse esquecimento que me dá o prazer de rir e lembrar das tantas vezes em que fui vulnerável, piegas, ridículo.

E por estar tão cheio de mim, tão cheio de agendas, prazos e responsabilidades, é que talvez o Universo me ache cada vez mais capaz de me ocupar com mais coisas. Mais gente. Mais trabalho. Mais sonhos.

E, sinceramente, por já ter esquecido como é sentir borboletas no estômago, como é ter uma novidade que não produza renda mas produza história, e mais do que isso, como é viver os altos e baixos que  só vive quem se permite viver, é que talvez eu realmente esteja pronto de novo. 

Pronto para mais um reencontro: com o pedaço de mim que é vulnerável.