Mudanças Climáticas

17:33:00

Reconstruir é mais difícil do que iniciar uma obra direto do papel. Além de todos os cálculos e estratégias, demanda também saber lidar com o imprevisto e aquilo que não se tem controle: o que veio antes.

Dia após dia, tenho trocado a argamassa das paredes, os revestimentos e, aos poucos, conforme minhas possibilidades, venho reconstruindo as estruturas do meu coração. Em tempos de mudanças climáticas, planos, estratégias e metas de reconstrução se tornam clichês ao pensar no futuro. Eu, que privilegiado ou não, já passei pelos meus próprios e vários desastres, agora, do alto dos meus trinta e poucos anos, compreendo as dificuldades de tirar planos do papel e de se reconstruir após o caos. Antes parecia mais fácil. 

Além do tempo, do tesão em fazer acontecer e da força, é necessária muita paciência. Mudanças temporais precisam desse dom em dois tempos diferentes: no durante e no depois.

Paciência para ver tudo se despedaçando e caindo aos pedaços. Planos, sonhos, momentos até então felizes, amores e o mais valioso de tudo: as poucas, mas preciosas, perspectivas de um futuro feliz. E depois que tudo passa, é necessário paciência para saber por onde recomeçar. Mais uma vez. Mesmo com muito cansaço.

Removendo escombros? Limpando a sujeira? Esperando para ver se há algo ainda para cair? Pela autoestima? Limpando os sentimentos ruins? Esperando para ver se há algo ainda para se desfazer pela força inevitável da natureza humana?

Não sei ao certo. Só sei que, quando notei, já estava colocando os verbos no gerúndio, e ao invés de reconstruir, já estava reconstruindo. Ao invés de resolver, já estava resolvendo. Ao invés de, mais uma vez, pensar em ser resiliente, mais uma vez, já estava sendo resiliente.

Pode ser que isso também seja reflexo de outras mudanças climáticas. Outros tempos que chegam. Vem o temporal. Vem a enxurrada. Vem o desastre. E, como a natureza se reconstruindo mesmo sobre escombros, mais uma vez, eu, Philippe Gama, aquele que já escreveu, já fez, já demonstrou, já agiu diferente e já conjugou tantos verbos, também reconstruo.

Tijolo por tijolo. Parede por parede. Havia me esquecido, por um bom tempo, do quanto é difícil e demorado esse processo todo. E confesso, havia também subestimado o desastre. Acontece. Depois de passar por tantos deles, a gente nunca acha que vai chegar um pior, mas ele chega. Como também chegam a primavera e o verão. Como também chegam novos sentimentos valiosos. Como também chegam novos caroneiros. 

Haverão de chegar mais uma vez? Honestamente, não tenho buscado essa resposta. Só tenho seguido minha cabeça ansiosa e refeito, um a um, cada pedacinho que me foi destruído e eu não percebera. E assim a vida segue.

As mudanças climáticas são inevitáveis - isso está em todos os jornais. E, entre o desastre e a emergência, em algum momento, haverá tempo de algo florir. Novas ideias. Novas paredes. Novos sentimentos. Novas versões de mim. Essas precisam florir. Merecem florir. 

Mas antes preciso terminar de me reconstruir. Preciso me preparar para novas mudanças climáticas.

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