O dia do adeus.

20:22:00

      Teria sido melhor se fosse verdade. Verdade no sentido de não ter sido essa mentira esfarrapada que me foi contada do ''você merece algo melhor'', porque diabos você se fez ''algo melhor'' no momento ruim? Eu estava quieto no meu canto, recuperando-me de um baque já passado no ano que ficou no calendário e você apareceu assim, sem escrúpulos, sorrateiro como a onça que ataca a presa...e me iludiu.
Fez-se holograficamente um anjo de grandes asas brancas, mostrou-me as portas do paraíso, e eu tão iludido contentei-me com a visão por trás das grades sem saber o sabor de estar ali dentro, sem saber que o diabo jamais poderia entrar ali. E foram assim os dias que se seguiram dentro do meu caderno todo riscado de desenhos e poesia, e sabe o que ele me dizia? Pára! E eu não parei, quanto mais escrevi, mais quis escrever, e me dói saber que as palavras poeticamente preparadas pra você foram apenas um papel de rascunho desses que a gente joga fora. Você jogou fora minhas palavras, e eu te pedi que desse uma bofetada na minha cara, mas nunca rasgasse o meu dizer. O diabo nunca nos ouve.
     Contento em rasgá-las e jogar pro alto como um confete que coloriu seu carnaval, bofeteou-me inúmeras vezes ao dizer: -Eu estou te deixando, meu Senador. E que Senador eu serei se a tribuna me é tirada, se meus direitos políticos são cassados e se eu sou impedido de trabalhar para a sociedade? Basicamente, você me tirou tudo e deixou-me vestindo um terno rasgado no meio da Praça da Sé, sentindo-me um anãozinho diante daquela igreja gótica e assustadora...eu sou mais um perdido no centro de São Paulo: sem rumo, sem amor, sem você.
     Eu não agradeço de forma alguma essa sua covardia em me usar como trampolim do seu prazer e escada para o sucesso, o que me torna nobre, e abre entre nós um abismo, é saber que um dia eu te olharei tão igualmente olho os meus queridos, e neste dia você se sentará em minha mesa, saciar-se-à com meu banquete, embebedar-se-à com meu vinho e logo a dúvida suplantará tua sobriedade e a questão surgirá: porque eu o perdi, meu Senador? E eu, no alto de meu cargo, subirei em minha tribuna para discursar:

És idiota, és o desejo visceral da carne disfarçado em dogmas românticos, és pupilo de Baco, és burro, és ingrato e sobretudo, és um solitário perdedor na vida que hesitou em ganhar meus versos. És o falso romântico, imoral, sujo, escancarado à carne dizendo ser somente coração. Vergonha me dá saber que meus olhos iludiram-se por este diabo tão fajuto.
 E neste dia será minha vez de dizer: Adeus, você não merece nada melhor do que você.

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