Antes Que Eu Soubesse.

10:26:00

Que triste hora. Se eu pudesse escolher não atender aquela ligação e não saber que você não estava bem, assim eu faria. Seria cruel demais da minha parte virar as costas para quem tanto acolhi e se acostumou ao meu abraço, mas as coisas precisam ser evitáveis quando não estamos organizados por dentro.

Eu poderia ter ouvido a sua voz trêmula e lenta de calmantes e dizer que eu iria te visitar e nem mesmo aparecer. Oh, triste hora! Eu não consigo evitar os seus pedidos e isso acabou comigo...Eu liguei, eu agendei, eu fui gentil ao máximo tentando demonstrar que eu estava seguro do que eu queria e olha, eu não iria querer se não fosse por você.

Ainda está marcado em mim o primeiro olhar quando subi a rampa e você estava lá em cima de banho tomado, barba feita e cabelo penteado. Aquelas roupas não eram você, aquele olhar não era você, aquele não era mais quem eu tanto conheci e ousei decifrar. A minha borboleta se transformou em lagarta e agora tenta outra metamorfose. Segurei meus olhos e reclamei baixinho com Deus, pedi um último instante de força e assim começaram nossos sessenta minutos cronometrados.

Não prestei atenção em uma só vírgula, apenas seus braços furados por seringas de um exame de sangue, um soro, marcas pelo antebraço do dia em que você surtou, a pele um pouco recuperada e já não mais tão ressequida pela dor. Você engordou um pouco e está melhor agora. Não consegui ouvir nada até você perguntar das minhas novidades. Eu precisei mentir.

Não queria, de novo, mas também foi necessário. Rasguei todas as palavras e disse que aqui, do lado de fora, tudo está bem. Você não precisa saber das barbaridades do mundo além daquelas que o Jornal Nacional lhe transmite antes do sono. Eu não consigo ser cruel. De repente alguém chega e diz que temos dez minutos. Meu Deus! Dez minutos, outra vez, juntos...Sem graça eu me levanto daquele banco tão bonito e antigo e suspiro. Não consigo mais segurar.

Desculpa por deixar vazar o meu desespero. Parecia que não ia ficar tudo bem. Parecia que era a nossa despedida. Eu não sei mais quando nos veremos. Nossos aniversários estão esperando a meia-noite de terça-feira para se encontrar e eu preciso fingir, mais uma vez, que estará tudo bem. Não estará tudo bem. Chorei um pouco no seu ombro dizendo que estava muito feliz por você e que minhas esperanças estavam renovadas. Por dentro eu estava um caco.

Que triste hora, que tristes dez minutos de despedida. Arrancaram-me um braço e o diagnóstico por telefone, infelizmente, era verdadeiro, a sua estadia vai se estender um pouco. Não sei se volto mais. Talvez tinha de me despedir e dizer que, no fundo, tudo vai ficar bem. Às vezes as soluções são diferentes das que nós achamos necessárias. 

Fica bem aí que essa luz comprida (dos meus olhos) ficou tão bonita em você daqui. Pelas paisagens cinzentas da estrada nada reluziu quanto seus olhos na primeira vez em que os vi, só uma certeza foi trazida pelo vento que era rasgado a 120 km/h...eu vou esperar por você. Antes que eu soubesse, já estava com você.

You Might Also Like

0 comentários

Subscribe