Não brinca comigo. 

Não faz de mim o que foi feito dos outros. Não me compare, não me repare, não me coloque onde os outros estão. Não me deixa no escuro, não me coloca nas tuas prateleiras. Não brinca comigo.

Eu tenho sonho, eu tenho sentimento, eu tenho razões. Eu tenho argumentos, tenho coração, tenho dúvidas, tenho certezas. Eu sou o reflexo daquilo que sua alma esconde numa casca grossa de segurança - mas que é insegurança. 

Não brinca comigo não. Por favor.

Dizem que Michelangelo, o mesmo que nomeia meu condomínio, ao terminar a estátua de Davi, lhe deu um tabefe e disse: Parla! 

Não me deixa ensurdecido, não me deixa sem saber. Me magoe, me chateia, me entristeça e me esqueça. Mas não brinca comigo não. Não brinca comigo porque eu não sou brinquedo, eu não sou qualquer um. Não brinca comigo porque já perdeu a graça.

Eu sou poeta, professor, às vezes escritor, às vezes escrita. Às vezes poema, às vezes prosa. Eu sou o todo e o nada, sou lá e sou cá. Sou chegada e despedida. Sou início e fim. Sou lembrança e sou futuro. Sou composição e decomposição, amontoado e ajeitado, não brinca comigo não. 

Eu não sou de plástico. Eu sou de emoção.

Não brinca comigo não. Eu não sou cafajeste, eu sou amásio.