Eu - Comédia.

21:41:00

     Quem me dera ter voltado ao tempo antigo e pudesse ter nos dado uma nova chance: a de não ter ocorrido nada. Se é que haveria essa chance de impedir, por milésimos de segundo, que as coisas acontecessem. Se o tempo pudesse retroceder tal qual um relógio, nós voltaríamos à estaca zero e dali não partiríamos pra essa ponte estreita que me fez cair na areia movediça tantas vezes. Rir de tudo isso é a minha redoma. Como se eu pudesse pegar toda minha frustração enquanto ser humano, enquanto passível de erros e acertos e enquanto alvo e transformá-la num texto stand-up comedy que sequer alfineta qualquer setor da sociedade: eu sou o meu Judas.
     Todas as vezes que subo no palco para apedrejar a mim mesmo e arrancar sorrisos das pessoas é como se tivesse suplantando um pouco de mim que sempre emerge sem ser chamado. Volta sem pedir licença, resgata a última gota de força e faz os músculos se debaterem até a emergir desse pântano.
     -Ei, voltei, olha aqui, vamos conversar?
     -Olha, ele quer conversar! HAHAHAH
      E por trás de cada riso, cada gargalhada, às vezes forçada, às vezes calada, estou eu, sentado com um bloco de papel e caneta tentando transpor o que não é. É como sentar na análise e omitir o que foi ''menos relevante'' e mais traumatizante. Se o chefe desse meu Estado - interior é a tarefa mais árdua, como se os sentimentos estivessem em guerrilha querendo soerguer uma revolução. A minha elite intelectual, composta por poesia, crônica e narrativas sem cunho acadêmico almeja mas tem medo de mudar. É difícil coordenar essa economia de lágrimas com medo da austeridade. Eu sou o meu país, e nós nos acostumamos com nosso jeito de viver a crise - tudo se resolve na palavra. Basta escrever o que se quer ouvir, o que se quer ler e tudo ficará bem.
      Eu sou o meu auto-presidente, a minha suprema corte, e me absolvo mesmo com tantas provas indubitáveis de culpa, de sem vergonhice e de falta de brio. Afinal, eu sou a maior comédia que as pessoas podem assistir enquanto eu choro escrevendo o roteiro. Escolher é perder sempre.

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