Sepultamento.

11:33:00

     Eu sepulto as histórias com as palavras, como se cada vez que algo se findasse o último sermão fosse dado num poema. Aqui jaz Philippe Gama e suas histórias intermináveis. Como se o jazigo pudesse levar a lembrança que fica perdida no tempo e no espaço pra me tomar quando menos espero.
 -Philippe? Philippe? Tá me ouvindo?
-Oi? Ah, sim, concordo.
-Nossa Philippe!
     Nossa Philippe, como parece ser fácil colocar sete palmos abaixo de você tanta coisa que nem parecia necessitar de um cárcere de terra pra terminar. É como se a terra pudesse dar conta de todas as histórias mal resolvidas, sugando-lhes a energia, a essência, a carne. Deixando ali um pó que vai se tornar terra, de novo. Terra sobre terra. Mais terra pra enterrar aquilo que nunca vai.
     No sepultamento da vida somos nós olhando pra nós mesmos dentro da caixa de madeira nobre destinada ao fim. Como se as palavras fossem o suficiente pra terminar e nunca abrissem a brecha do recomeço. Reconheço, entretanto, que mesmo que não sejam fim, são elas que descrevem o final. Esko Vaananen sepultou todos os seus desejos para fazer seu arranha-céu, que bela história d'O Arranha nuvens que termina questionando -Não haveria ele vencido?
     Não teriam, as palavras, vencido? Com tantas e tantas letras, com tantas regras, certamente elas me vencem. Como se eu lutasse com um dragão dentro de mim sem ao menos uma lança, uma arma, e o fim sou eu fatigado, mordido, exasperado pela falha, pedindo: -Clemência! Eu não consigo escrever!
     Abrir a janela da escrita permite-me entrar numa introspecção necessária para sobreviver os dias a fio, carregando o fado pesado do destino que não me é de todo mal, convenha-se. A flor da vida necessita de uma redoma pra sobreviver. A minha redoma é frágil demais. Cada dia que passa, retira um pouco do que está entre eu e meus desejos, puxando pra fora os excessos e deixando o necessário. Os inimigos dos meus amigos são meus amigos, os inimigos dos meus inimigos são meus amigos, os amigos dos meus amigos são me amigos, porque a todos eu desejo o bem: aquilo que vai, vem. E o que não vai, o fim é certo: o sepultamento.

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