Alguém morreu. E enfrentar a morte, ali, tão presente e tão próxima é péssimo. Saber que a ausência será eterna e que o tempo dissipará todo e qualquer legado que se espera que o cadáver tenha deixado é como ter duas mãos no pescoço e um sorriso malvado refletindo seus olhos. Alguém morreu. E antes tivesse sido eu, ali, sem legado, sem histórias deixada, apenas o cadáver estirado.
Alguns abraçaram minha dor. Ninguém compreendeu. Quando vi o cadáver ali, estirado, envolto em flores, pude conceber o quão feito de nada nós somos. As unhas roxeadas, a pele já sem cor, o rosto sem nenhuma expressão. Não se sabe se foi em paz, em dor, em amor, em alegria. Apenas se foi. E se foi, para onde foi?
     Desde o primeiro toque do telefone na madrugada eu já sabia a notícia. Seria mais fácil ignorar a chamada e compreender que era a morte dizendo que perdi. Que nenhuma esperança ou fé na vida foi o suficiente para salvar o homem. Agora, cadáver. E naqueles abraços nenhum vinha à espera de minhas lágrimas -chora, querido!, todos rápidos, ávidos por ver o cadáver ali, inerte, vítima, estirado. As bactérias já se proliferando de dentro pra fora. Em dias, o homem que veio do pó, ao pó voltaria. Terminou seu ciclo.
     Alguém morreu. E por que esse alguém e não eu? Está lá, agora, desfrutando dos poucos metros de sua cova deixando-nos perplexos: Vive, porque está morto, ou morreu porque já viveu? Já não vive mais, já não está morto. O fantoche que a vida tanto usou voltará a ser retalho. Não deixa legado. Não deixa posses. Não deixa uma história. Deixa pequenas eternidade de seu ciclo. Alguém morreu - e junto do cadáver parte de mim se foi, não só pelo significado, mas pela real dor da não correspondência das expectativas, ali, naquela sala escura, fria, ninguém se rendeu. A guerra não entrou em trégua. Hoje os tiros doeram mais. E este soldado que escreve, asquerosamente se curvou no leito.
    -Chora fio, chora que a dor passa.
Alguém morreu e essa frase foi junto. Adeus, vô. Adeus, Levi.