Escoamento.

14:38:00

E se meu pescoço tivesse sido esticado naquela trança de lençol e ao invés de Theodoro com TH fosse Philippe com PH naquela lápide de mármore?

Seria audacioso da minha parte me abdicar de estar aqui e não ter de lidar com diversas questões, não seria necessário, no entanto, ser um palhaço num malabarismo desequilibrado. Pelo menos ninguém riria do meu desespero. Eu gostaria de ter ido embora de vez, naquele dia que você marcou ou alguns antes ou depois, queria poder ter dito que tudo ia ficar bem e ter encontrado uma solução tão prática quanto aquela a que se propôs meu grande afeto.

Fraco. Covarde. Estou preso em um canto sendo apunhalado por diversos lados. Eu estou sozinho, nu e jogado na rua. Todas as portas se fecharam à mesma velocidade que se abriram, só há uma que permanece aberta com uma luz que ilumina um corpo estirado, membros inchados e seus olhos mortos. Nunca mais me esquecerei do brilho que tiveram ao dizer que tudo ia ficar bem. Eram falsos.

Ora, se ficar bem é ter de passar pelos leões e sair vivo e em frangalhos, que eu possa me acovardar e me auto-apunhalar até meu fim. Que herança hei de deixar senão uns poemas mal escritos, uns risos vazios e umas cartas que nunca serão enviadas? Que lembrança ficará senão do covarde que no auge de sua covardia decidiu partir? E ir embora é decisão difícil, é pra quem tem força o suficiente pra dizer adeus ao que fica e se abrir ao que pode chegar e que talvez nunca virá. Eu quis ir embora e nunca consegui, estou ancorado nos meus afetos, nas minhas dores, nos meus enganos.

A mala está pesada. O fardo já não consigo suportar. As palavras não refletem minhas lágrimas sobre o teclado gasto de um computador velho. Eu cansei, Theodoro. Eu deveria ter partido e te deixado aqui, com as dores que eu sinto hoje, com as cicatrizes abertas de sempre, com os tormentos que me tomam a cabeça e refletem em meu corpo. Vão se os cabelos, tremem-se as mãos, rasgam-se os versos. Eu estou diluindo e acinzentando-me no mundo e não sei quando vou recuperar a cor. Este mar se cansou da fúria, enjoou da calmaria e não tem águas navegáveis e permissivas de vida...Onde está o ralo? Eu preciso escoar e nunca mais voltar.

-Eu vim te dar tchau Phil, é a última vez que eu vou te levar pra casa. Adeus.
-Me espera, eu só vou tomar um banho e vou embora pelo mesmo caminho.

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