Andar três vezes.

14:33:00

      Andar, andar, andar. Andar pra esquecer de doar e aprender a guardar: ser formiga, não cigarra. Andar até o mais alto que os joelhos aguentam levar. Além-serra, além-mar. Mergulhar dentro do oceano infinito, buscando o destino findo, perdido no meio do azul, lindo. Voando dentro da água feroz, perfeita materialização do que é seduzir - induzir ao fato? Ao erro? À morte? Cada um sabe onde dói mais a cicatriz do seu corte. Andar, andar, andar. Andar sem os ''ias'' sufixando o verbos, sufocando as gargantas da alma e do corpo. Qual o segredo, afinal, de andar, andar, andar? Andar três vezes sem olhar pra trás, parar nas estradas de terra e sentir o pó sobre os olhos. Lacrimejar, quando preciso. Sublimar o espírito ao nirvana, ao infinito, ao eixo principal do eu - quem é o meu eu se não sou eu?
      Andar, andar, andar. Andar sobre as pontes mal construídas, alicerçadas nas possibilidades do ''e se'' que não foi. Andar sobre os ladrilhos desenhados a pincel, nos dias mais carinhosos e saudosos de paz. Andar com tanta coisa dentro de si e quase nada na trouxa, que por si só já é essência do seu ser. Sem pretensão, andar. Desejo, nunca ensejo. Vamos? Ninguém vai senão eu por ali, por aqui, por lá. Sem atenção da despedida, vidraça transparente na vida - sabe-se que está lá, mas não há muito efeito em um momento onde a necessidade não é presente. Quase que como calcinha bege entre as vermelhas da gaveta enorme que esconde os segredos das cartas que foram para o baú, para a gaveta, para o infinito, para o fim. Será?
        As dúvidas carregadas pelo vento até o mais alto cume que os joelhos podem chegar. Se chegarem, porque há a chance de perecer. Quem pode viver - ou conviver- no meio dessa combinação sacana dos astros que ergue o topete e se estende como tapete? Ser igual a si ou igual aos outros sem a menor chance de ser? Andar, andar, andar. Andar até sumir, até a natureza desintegrar a pele aos poucos e levar pelo vento que desce do trigésimo segundo andar o que restou dali. Vertigem. Tontura. Cair na cama gelada do ar pra ser velado pelas lágrimas dos tempos que se foram. Remediar a dor desta vida em busca do sofrimento da vida que vem.
        Os dedos ditatoriais que estão aí, dizendo como deve ser o caminho, como se deve fazer ou deixar de fazer, como se eu fosse um bolo com receita certa, eles nunca passarão, nem saberão ser passarinhos. Andar, andar, andar.

You Might Also Like

0 comentários

Subscribe