Monólogo.

13:25:00

Oi. Não, não, não quero nada não. Estou bem, bem assim, derrotado. Porque? Chega a ser cômica a minha história, porque quem tá de fora enxerga como algo pífio...Não, não é o seu caso...mas eu aqui dentro estou me sentindo péssimo. Destruído.
Ah, os motivos são óbvios. Tudo me parece medíocre, nada me parece bom o suficiente, nem eu mesmo estou me achando bom o suficiente pra viver, parece que há um buraco em mim que nunca será preenchido. Sabe a parte cármica que a gente carrega de outras vidas? É...exatamente. Eu me lembro bem dos meus onze anos, e eu sou quase a mesma coisa: mais um. Um número, uma estatística. Não consigo produzir nada que não seja concreto, racional. Eu vivo num mundo ilusório, onde tudo funciona bem, onde tudo harmoniza com tudo. Se estou assim por ele? Não sei se por ele, por ela, por eles. Eu vivo assim desde os onze anos. E não digo a rejeição no sentimental, no amor, nas relações, mas tudo sempre foi uma piada, até que eu virei um contador das piadas da minha própria vida. Cada sorriso no palco é uma lágrima na coxia. Não, não sei. Mesmo antes de conhecê-lo, sabe aquele caso do cunhado...Ele! Nunca o conheci, nunca conversamos, e dali em diante eu criei um mundo florido. O mundo é muito mais cinza do que parece. Eu sei, eu sei que tudo tem que ser pensado, racional, que eu não sou o único, que isso aqui tá complicado. Mas é uma coisa de autoestima, sabe? Tantas vezes eu saí pra diversos lugares e nenhum flerte, nenhum olhar, nenhum oi. Nada. Nunca foi assim. Eu sempre fui o amigo que segura a bebida dos outros, a bolsa dos outros, a barra dos outros...Ah, os outros! Sempre os outros! Sempre disponibilizei o meu eu, minha energia, meus sentimentos, meu abraço, e o que me restou? Um resto de eu, uma carne que não consegue se desintegrar no ar, um mar morto, negro, sem pôr do sol, sem fim. Muito pouco eu sou. Não sirvo sequer pra me matar. Sabe aqueles psicotrópicos que estava tomando há dois anos atrás? Tomei. Pára, não me julgue, eu sei que é loucura, insanidade, que eu poderia não ter acordado...Pois bem, eu sequer dormi. Sequer consegui ficar parado. Ainda sinto alguns espasmos musculares, algumas pontadas, uma certa tontura. Meus olhos pararam de lacrimejar, minha cabeça não está com flashes dos últimos seis anos, minha boca e minha garganta não estão mais ressecadas. Não oscilo entre frio e calor. Só me lembro, e sempre que me lembro dói de novo, da dor do estômago contraindo. Como se ele dissesse -Vai! Sai! O que que é isso aqui? Não, eu não vou morrer por esses motivos!
E tudo saiu. O café-da-manhã não parou, o almoço não existiu, nem mesmo água meu corpo foi capaz de absorver. Uma tentativa tão falha de suicídio que me envergonha. Nem pra isso eu servi. Pára, deixa eu continuar? Então. E aí chorei, chorei, chorei. Assisti Diário de Uma Paixão e chorei como criança sem chupeta. E ainda estou chorando, rs, e eu nem me envergonho de estar aqui nesse café chorando pra você. Alguém que nunca teve nada a ver com a minha vida. Alguém que nunca existiu. Eu e a imagem holográfica da memória. Você está aqui? Você está me compreendendo? Eu só posso contar com você. Eu queria desistir de tudo, ir morar três meses no Sudão fazendo trabalho voluntário, conhecer as regiões mais pobres da Índia, acompanhar os segregados nos países árabes, ver o sofrimento do mundo que não é maior que o meu. É, exatamente isso! O desejo de ser notado por algo notável. É, é sério. Ser apontado na rua. Aquele ali? Foi ele quem escreveu aquele livro que está entre os dez mais vendidos segundo a lista da Folha de São Paulo. Aquele ali que foi no Jô Soares e chorou contando sua vida. Aquele ali que tem uma coluna naquela revista semanal. É, eu sei que eu sonho demais e realizo de menos. Estou vendo. Eu sou quem aqui dentro desse café? Se eu levantar, serei o homem que se levantou, acima do peso ideal, com um topete desenhado milimetricamente, barba rala, boca carnuda, grandes bochechas, olhos pequenos, com uma pulseira de prata. Só. Iguais a mim tem vários. Não, não me venha com essa que é questão de viés. Não me venha com a hipocrisia da história da hora certa. Eu sei, eu sei. Mas sabe como é a prática? É carne. Não tem lugar pra pessoas que como eu estão querendo viver da poesia, estão querendo amar, e de fato nem sabem do que isso se trata. Se eu fosse rico, haveria meios de sobrevivência para viver na arte. A pobreza aqui vai além do bolso, entra na alma, no peito e dói. Dói até chegar aos psicotrópicos. Rs, o que eu quero que você diga? Diz o que todo mundo diz: É complicado. Como se não fosse óbvio. Mas deixemos de lado eu mesmo, minha história, meu drama, vamos ao que interessa e à minha função: como você está?

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