Conto de Páscoa.

19:01:00

      Duas lembranças de páscoa na minha vida: A páscoa dos sete ovos, a páscoa do Colégio Adventista. A páscoa dos sete ovos foi a páscoa mais achocolatada da minha vida. No sábado já acordei com o ovo de chocolate que a minha bisavó me mandou. Todos os anos ela me mandava chocolates, presentes, cuecas e lembranças. Não o abri pelo respeito à tradição de abri-los no domingo. No domingo acordei e lá estava ele, o ovo que meu pai comprou que era maior que a minha cabeça, o ovo que minha avó comprou, e o ovo que minha mãe fez. Quatro ovos mais um da escola, mais um do meu padrinho e mais um parafinado da igreja. Sete ovos de páscoa pra um menino de seis anos.
      Minha ânsia por abri-los fez-me estourar todos os laços na busca do que havia dentro, certamente o chocolate não era um aliado na hora da tristeza: o brinquedo era o mais importante. O que havia dentro quando eu chacoalhava, o troc troc do que havia dentro dos ovos batendo nas paredes de chocolate, isso sim me motivava a abri-los numa ânsia infinita pelo que havia dentro. Sempre uma surpresa, ora previsível ora decepcionante.
      Aos nove anos de idade me mudaram de escola. Fui parar dentro do Colégio Adventista semanas antes da páscoa. Chegou a quarta-feira e a esperança era una: chocolate da escola. Entregaram-me várias folhas para pintar, vários desenhos de Jesus Cristo, algumas histórias contadas, um saquinho com um pão, outro com uvas e fim. Onde estava o chocolate? Na prateleira do supermercado que certamente não sabia o real significado da páscoa. E por nove anos eu convivi com esta realidade: páscoa = corpo e sangue de Cristo.
      Hoje, bem depois de ter saído do Colégio, e aprendido com meus próprios olhos a enxergar a fé em Jesus, creio que a páscoa seja ressuscitar. Não só Cristo, mas a mim mesmo. A morte é iminente entre nós humanos, todos os dias nos preparamos pra angústia do fim de nossa vida. Trabalhamos pra construir um patrimônio que não desfrutaremos. Trabalhamos por elogios. Trabalhamos por amor. Trabalhamos por obrigação. Trabalhamos por trabalhar. ''Quando eu morrer'' é uma frase comum. Por fim, vamos todos à exaustão dos dias terrenos e caímos no sono eterno. Todos os dias nos matamos um pouco chacoalhando a vida com fúria esperando que o brinde dela se materialize na nossa frente. 
      O brinde da vida é saber ressuscitar. É saber envergar até o nariz bater no chão, mas com a mesma força elevar-se novamente. Olhar a própria morte, a própria crucificação, os próprios pregos que temos que aguentar todos os dias nos faz mais fortes. Nesta páscoa, eu chacoalhei a vida. Não ouvi nenhum troc troc de brinde, não por sê-la vazia, mas porque eu tenho de buscá-los por aí. Duas coisas me vêm à cabeça quando penso em páscoa: os vários ovos de chocolate me dando o conforto de ter o que quiser ali comigo e a falta de um único, que fosse, dentro de uma escola nova. Somente corpo e sangue.
       Na minha páscoa, ao meu modo, eu me vejo na cruz dos meus próprios erros e falhas, pregado pelas intempéries da vida, contudo, mesmo diante de tudo é preciso ressuscitar. Talvez eu esteja morrendo um pouco durante esses dias, mas que força maior me ressuscitará senão minha própria fé em minha altivez? Deste prisma a vida pode ser mais doce.

       Eis o meu relato de páscoa.

You Might Also Like

0 comentários

Subscribe