Um diálogo sobre o tempo.

14:49:00

      A admirava todos os dias desde aquele dia em que a viu almoçando no mesmo restaurante que ele. Pegou seu prato e pôs-se na mesa na diagonal à que ela estava com seu amigo. Era o namorado. Admirou-a e fitou-a nos olhos, quando ela levantou o olhar, ele abaixou o dele. Era um covarde desde sempre que tinha o seu próprio palco para fazer piadas a respeito de sua solidão. Era uma opção economicamente viável, dizia. Não era. Estava bem daquele jeito, e não estava. Estava com o peito esmagado: quando fazia um comentário sobre os cabelos da fulana ou os olhos da ciclana, os colegas riam e diziam pr'aquele poeta romântico ir em frente pra se estabacar. A concepção dentro do seu círculo girava em torno de sexo.
     Mas que futuro haveria de ter um poeta como aquele, perdido num mundo cheio de ternos e gravatas? Eu quero amar e ser amado. Todos queriam, poucos conseguiam. Era de se admirar que mantinha sempre o sorriso como estampa predominante em seu uniforme monocromático, a vida era seu picadeiro, sua poesia era seu divertimento. Todos os dias almoçava, comia sobremesa e aguardava a moça dos cabelos pretos, olhos castanhos, que tinha um nome com uma sílaba mais forte que as outras. Quem era a dona de trinta e cinco dos seus oitenta poemas? Esses dias ela fez vinte e oito anos, vou mandar o garçom entregá-los como presente. Não mandou.
     Um dia, chegou atrasado e apertou insistentemente o elevador. Ela vinha do subsolo para recebê-lo, pensou. Estava só ali, trabalhando no mesmo prédio, mantendo a mesma vida classe média executiva, como todos naquele lócus. Bom dia, disse apreensivo. Bom dia, ela pegou o telefone. Ele olhou de soslaio, checava o e-mail pessoal. Tempo esquisito né? Ela guardou o celular. Não, eu gosto de tempo assim, meu cabelo fica melhor, a roupa cai melhor, minha respiração fica melhor, você não gosta? Gosto, conseguiu dizer entre a timidez.
     Um diálogo sobre o tempo. Uma tese a respeito de sua questão, ela derrubou-o. Massacrou-o. Convenceu-o. Era ela. Independente de ter quisto ser grosseira ou não, ela era pássaro livre e mais solta que os outros. Ela disse tchau, estava com já estava com a aliança dourada. Como sabia que havia perdido a oportunidade de falar com a recepcionista do andar de baixo pessoalmente? O telefone não permitiu-o saber dos seus olhos. Trinta e cinco poemas e um diálogo sobre o tempo...perdido. Era o que havia.

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