Eu não sei voltar.
16:21:00A gente só aprende a andar de bicicleta depois que cai várias vezes.
E talvez amar, ou gostar, seja isso: cair, machucar o joelho, ficar com vergonha, ficar com roxos pelo corpo, sentir a dor por dias e depois sentir o vento quando a maior velocidade que as pernas conseguem alcançar te levam à rapidez. Minha mãe disse ontem numa roda de conversa em que eu era um mero figurante: ''Tem gente que é assim, fica dez anos sozinha e depois arruma alguém pra vida inteira.'' É? Não sei. A gente só aprende a andar de bicicleta depois que sobe nela e perde o medo da falta das rodinhas. Aprendi a andar de bicicleta sem rodinhas apenas em linha reta. ''Eu não sei voltar! -Você sabe sim, é só virar!'' E com muitos quase-tombos eu aprendi a voltar. Aprender a voltar é difícil, a gente se desequilibra, o braço treme, o guidão mexe mais que o normal, a rua vai acabando e quando você vê, a linha é reta de novo. As curvas são difíceis, tem que saber se segurar.
Dia desses a vida ficou complicada, o céu ficou nublado, o ar estava quente demais. ''Eu não sei voltar!''. E voltei. É difícil saber voltar-se pra si. Voltar pro lugar de onde se saiu dói. E o medo de cair? E o medo da rua acabar e a roda travar na calçada? A dor moral de cair na rua -em público- é maior do que a dor física. Como eu ia contar em casa que -acabou-? Acabou o interesse. Acabou o desejo. Acabou a resposta, o sorriso, a presença. Acabou, e deixou um ralado grande aqui. Hm, vai criar uma casquinha. Enquanto eu estava eu linha reta foi fantástico, sentir o vento gelado no rosto, a velocidade me aproximando do destino, o mundo ficando pra trás...e paft. Uma pedrinha suficiente pra trepidar o guidão, soltar o braço distraído e fazer meu rosto beijar o asfalto. E agora? Agora eu me levanto, passo a mão na sujeira em cima da pele, viro o guidão de volta, e volto. ''Eu não sei voltar!'', mas faço uma ideia de como seja...
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