“Nos traga a civilização: as almas estão secas em processo de erosão”

19:45:00

Certa vez ouvi, durante um trajeto que fazia de ônibus, dois passageiros comentando sobre uma possível solução para resolver progressivamente o crime. Diziam assim: “bandido bom é bandido morto!”. Foi a primeira vez que ouvi algo do tipo. Eu estava com uns 14 anos e instantaneamente pensei comigo, quase que ironicamente: “seria cômico se não fosse trágico!”. É engraçado como se tornou comum ouvir expressões como essa por aí. Aliás, não é engraçado. É banal.
     Eu não sei ao certo qual é a lógica que as pessoas veem em se combater violência com mais violência. Parafraseando Hannah Arendt, os atos de barbárie humanos, via de regra, não eram cometidos pela maldade, perversidade ou por desvio de conduta. Eram, na realidade, reflexo da ignorância, esta motorizada pela manipulação e alienação que determinados grupos, de acordo com seus interesses individuais, sobrepunham à sociedade. Se pensarmos que os meios de comunicação exercem grande influência na “grande massa”, podemos inferir que a lógica do “bandido bom é bandido morto” é propagada sobretudo por estes grandes detentores da grande mídia.
     Oras, talvez isso explique o motivo deste pensamento se difundir como vírus pela sociedade. Inclusive, é bem válido dizer que estamos vivendo numa época em que tudo se espalha rapidamente. Em todo canto que você vai tem alguém quase que recitando “bandido bom/ é bandido morto” – com a mão do lado esquerdo do peito, emendando “eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor” e gritando “vai que é tua, seleção!” no final.
     O Art. 1º da Constituição esboça que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II – a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana”. Diante disto, é válido resgatar a discussão da seguridade social como direito fundamental. Luther King costumava dizer: "A não violência significa evitar não apenas a violência física externa, mas também a violência interna do espírito. Você não só se recusa a atirar em um homem, como também se recusa a odiá-lo". Unindo a Constituição à prerrogativa do King, podemos indagar sobre a “justiça feita pelas próprias mãos”.
      O ódio contra o humano leva à negação da realidade, fato observável tanto nas grandes ditaduras, como em esferas menores, a exemplo atual temos o ódio pregado por jornalistas da grande mídia que incentivam a justiça feita pelas próprias mãos contra possíveis infratores, que muitas vezes nem infratores são. O Art. 5º da Constituição diz que “todos são iguais perante a lei”. O inciso III do mesmo artigo diz, inclusive, que “ninguém será submetido à tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”. Vale também citar o Art. 3º, que diz que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
     Dessa forma, é possível dizer realmente que é correto fazer justiça com as próprias mãos? É possível aceitar que haja violação dos direitos humanos? É normal não se banalizar o que é anticonstitucional? Gosto muito de uma música que diz “nos traga a civilização: as almas estão secas em processo de erosão.” (Rancore), acredito que ela retrate bem o lado abstrato da coisa. Gosto tanto dessa afirmativa que até coloquei como título – Agradeço por isso. É preciso questionar. É preciso lutar por direitos e não deixar que opiniões façam nossas cabeças.

“O homem que não luta pelos seus direitos não merece viver”
Rui Barbosa.
Carolinne Pinheiro
Gestão de Políticas Públicas
Universidade de São Paulo

Carolinne Pinheiro – 8513431 - Gestão de Políticas Públicas – EACH/USP

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